“Quando uma pessoa, que já possui o bastante para viver,
resolve ocupar-se em uma atividade social, a de professor ou a de datilógrafo,
por exemplo, diz-se que essa pessoa - seja homem ou mulher - está tirando o pão
da boca dos outros, e, por conseguinte, procedendo mal. Se este argumento fosse
conclusivo, bastaria simplesmente que todos nós fossemos indolentes e assim
teríamos todos as bocas cheias de pão. Mas as pessoas que dizem tais coisas se
esquecem de que, habitualmente, o homem gasta os proventos de seu trabalho, e,
assim o fazendo, está empregando esse numerário.
Gastando, pois, sua renda, o homem põe na boca de
outros, quando lhas tira, ao ganhá-la. Por este ponto de vista, o verdadeiro
vilão é o homem parcimonioso. Se ele, simplesmente, puser suas economias num
pé-de-meia, como o proverbial camponês francês, é evidente que não está dando o
devido emprego a seu dinheiro. Mas se investe suas economias, o assunto é menos
evidente e diferentes casos podem apresentar-se.
Uma das maneiras mais comuns de empregar economias é
emprestá-las ao governo. Em virtude desse fato, grande verba dos orçamentos da
maioria das administrações públicas de países civilizados é empregada no
pagamento do após-guerra ou na preparação de guerras futuras. O homem que
empresta dinheiro ao governo encontra-se na mesma posição do homem mau de
Shakespeare, que assalariava assassinos. O resultado líquido que tem o homem de
hábitos econômicos é fazer aumentar as forças armadas do Estado ao qual ele
empresta suas economias. Evidentemente, melhor seria se ele mesmo gastasse o
seu dinheiro, ainda que o fizesse na bebida ou no jogo.”
“Desejo dizer, com toda seriedade, que grande mal está
sendo causado ao mundo moderno, com a crença na virtuosidade do trabalho e com
a de que o caminho para a felicidade e prosperidade consiste na sua diminuição
organizada.”
“Antes de tudo, o que é o trabalho? Há trabalho de duas
espécies: a primeira consiste em alterar a posição da matéria na terra, ou
próxima à sua superfície, relativamente à outra matéria; a segunda, em dizer
aos outros que façam assim. A primeira espécie é desagradável e mal paga; a
segunda, agradável e bem remunerada. Esta última é capaz de ilimitada extensão
- não há somente aqueles que dão ordens, mas os que dão conselhos sobre as
coisas que deveriam ser ordenadas. Usualmente, as corporações organizadas dão
duas espécies opostas de conselhos - é o que se chama política. A habilidade
necessária para essa espécie de trabalho não é o conhecimento dos assuntos a
respeito dos quais são dados os conselhos, mas a arte de falar e de escrever
persuasivamente: isto é, a arte da propaganda.
Na Europa, há uma terceira classe de homens, mais
respeitada que qualquer uma dessas de trabalhadores, o que não acontece na
América. Há os homens que, pelo direito de propriedade, podem obrigar os outros
a pagar pelo privilégio de poderem viver e trabalhar em suas terras. Esses
proprietários são, em geral, indolentes, e, por isso, é de se esperar que sejam
louvados. Infelizmente, sua ociosidade só pode tornar-se realidade pelo
trabalho dos outros. Na verdade, seu desejo de ter uma confortável ociosidade
é, historicamente, a fonte de todo o Evangelho do Trabalho. O que nunca
desejaram é que outros pudessem seguir seu exemplo.”
“Do início da Civilização até a Revolução Industrial,
por via de regra, um homem podia produzir, pelo trabalho árduo, pouco mais do
que era necessário para sua subsistência e de sua família, ainda que a mulher
trabalhasse, pelo menos, tão intensamente quanto ele, e os filhos o ajudassem
com seu trabalho, logo que tivessem a idade suficiente para fazê-lo. O pequeno
excedente sobre o estritamente necessário não era deixado para aqueles que o
produziam, mas usurpado pelos guerreiros e pelos sacerdotes de então. Em época
de escassez, não havia excedente. Contudo, os sacerdotes e guerreiros retinham tanto
como nos tempos de abundância, resultando, por esse motivo, que os
trabalhadores passavam fome. (...)
É evidente que, nas primitivas comunidades, os
camponeses se deixados à vontade, não se teriam privado do escasso excedente
que sustentava os sacerdotes e os guerreiros, mas teriam ou produzido menos ou
consumido mais. A princípio, a força bruta compeliu-os a produzir e a se
desfazer do excedente. Todavia, pouco a pouco, foi possível induzir muitos
deles a aceitarem uma ética, segundo a qual era de seu dever trabalhar
arduamente, se bem que uma parte de seu trabalho viesse a manter outros na
ociosidade.”
“Até nossos dias 99% dos assalariados ingleses ficariam
verdadeiramente chocados se fosse proposto que o rei não tivesse renda maior
que a de um trabalhador qualquer. A concepção do dever, historicamente falando,
tem sido um meio usado pelos detentores do poder para induzirem os outros a
viverem mais para os interesses dos patrões que para os seus próprios.
Naturalmente, os que estão com o poder ocultam esse fato, fazendo acreditar que
os seus interesses são idênticos aos maiores interesses da humanidade.”
“A técnica moderna tornou o lazer possível, a fim de
diminuir consideravelmente a quantidade de trabalho exigida para assegurar a
subsistência de todos. Isso se tornou evidente durante a guerra. Naquela época,
todos os homens das forças armadas, todos os homens e mulheres ocupados na
produção de munições, nos serviços de espionagem, na propaganda de guerra ou
nos departamentos oficiais relacionados com a guerra, foram retirados de outras
ocupações produtivas. A despeito disso, o nível de bem-estar físico entre os
assalariados inexperientes do lado dos Aliados era mais elevado do que antes. A
significação desse fato acha-se oculta no princípio financeiro. Tomar
emprestado é alimentar o presente com o futuro. Mas teria sido naturalmente
impossível - um homem não pode comer um pão que ainda não existe. A guerra
demonstrou, de modo explícito, que, pela organização científica da produção, é
possível manter as populações modernas com regular conforto, numa pequena parte
do âmbito de trabalho do mundo moderno. Se, no fim da guerra, a organização
científica que foi criada para libertar o homem do trabalhado relacionado com a
luta e as munições tivesse sido conservada e as horas de trabalho diminuídas
para quatro, tudo estaria muito bem. Mas, em lugar disso, o velho caso foi
reestabelecido e aqueles cujo trabalho era reclamado tiveram que trabalhar
longas horas e o resto morrer de fome, por falta de emprego. Porque o trabalho
é um dever, e um homem não poderia receber salário na proporção do que
produzia, mas na proporção de seu valor, demonstrado no trabalho.”
“Se o trabalhador comum trabalhasse quatro horas por
dia, isto seria o suficiente para todos, e não haveria falta de emprego,
admitindo-se uma dose muito moderada de sensata organização. Essa ideia choca
os endinheirados porque eles estão certos de que o pobre não saberia como
empregar tanto “lazer”. Nos Estados Unidos, os homens, muitas vezes, trabalham
longas horas mesmo quando já são endinheirados.”
“Deve-se admitir que o uso acertado do “lazer” é um
produto da civilização e da educação. Um homem que trabalhou longas horas
durante toda a vida, ficará enfadado se, de repente, ficar sem ter o que fazer.
Mas, sem um razoável descanso, o homem sentir-se-á privado de muitas das
melhores coisas. Nenhum motivo existe para que a maioria do povo deva sofrer
dessa privação. Somente um ascetismo insensato nos faz continuar a insistir em
que se deva trabalhar, excessivamente, agora que essa necessidade já não
existe.”
“A atitude das classes dirigentes - especialmente a das
que realizam a propaganda educacional - no que diz respeito à dignidade do
trabalho, é quase exatamente a que as classes dirigentes do mundo têm sempre tido
para com o que era chamado o “pobre honesto”. Diligência, sobriedade, boa
vontade para trabalhar longas horas, a fim de obter vantagens remotas, até
mesmo a submissão à autoridade, tudo isso reaparece.”
“Pouco nos importamos com a justiça econômica, de modo
que uma grande porcentagem de lucro da produção total, se canaliza para uma
parte mínima da população, dentro da qual há muitos que não executam trabalho
de espécie alguma. Em vista da ausência de qualquer controle central para a
produção, fabricamos um monte de coisas que não são necessárias. Podemos
conservar uma grande porcentagem da população operária na ociosidade, porque
nos é dado dispensar o seu trabalho, fazendo com que os outros trabalhem
excessivamente. Quando todos esses métodos se tornarem inadequados, o resultado
será a guerra. Induzimos um certo número de pessoas a fabricarem altos
explosivos e outros a fazê-los explodirem, como se fossem crianças que tivessem
acabado de descobrir fogos de artifício. Por uma combinação de todos esses inventos,
fazemos o possível, ainda que com dificuldade, para conservar viva a noção de
que uma grande parte de árduo trabalho manual deve ser o quinhão do homem
médio.”
“A solução nacional, logo que for possível atender as
necessidades e o conforto de todos, seria reduzir, gradualmente, as horas de
trabalho, permitindo que o voto popular decidisse qual das duas coisas seria
prefirível - mais “lazer” ou mais “mercadorias”. Mas, tendo sido ensinado a
suprema virtude do trabalho penoso, é difícil ver como as autoridades possam
almejar um paraíso no qual haja mais lazer e menos trabalho. Parece mais
provável que eles possam encontrar novos planos, segundo os quais a ociosidade
presente deva ser sacrificada em benefício da futura produtividade.”
“Se perguntarmos ao trabalhador o que pensa a respeito
da melhor parte de sua vida, provavelmente não responderá: “gosto do trabalho
manual porque estou cumprindo a mais nobre tarefa do homem e gosto de pensar
como o homem é capaz de transformar este planeta. É verdade que meu corpo exige
períodos de repouso e que tenha de fazê-lo da melhor maneira possível, mas
nunca me sinto tão feliz, como quando o dia amanhece, e posso voltar ao
trabalho do qual brota todo o meu contentamento”. Jamais ouvi um operário
expressar-se desse modo. Eles consideram o trabalho como deveria ser
considerado, isto é, como um meio de subsistência e é das suas horas de lazer
que eles tiram a felicidade - seja ela qual for - que possam gozar.”
“O homem moderno julga que tudo deve ser feito por
causa de alguém mais e nunca tão somente em seu próprio interesse.”
“O indivíduo em nossa sociedade trabalha para ter
lucro. Mas o fim social de seu trabalho está no consumo do que ele produz. É
este divórcio entre o indivíduo e o objetivo social da produção que torna
difícil, para os homens, pensarem com clareza num mundo onde o lucro é o
incentivo da indústria. Pensamos muitíssimo na produção e pouquíssimo no
consumo. Um dos resultados é que emprestamos pouca importância ao gozo e à
felicidade e não julgamos a produção pelo prazer que ela proporciona ao
consumidor.
Quando sugiro que as horas de trabalho devam ser
reduzidas a quatro não estou fazendo supor que o resto do tempo seja gasto em
meras futilidades. O que eu quero dizer é que quatro horas de trabalho habilitam
um homem para as necessidades e o conforto elementares da vida e que o resto do
tempo poderia ser empregado, como lhe aprouvesse, em coisa úteis. É parte
indispensável de qualquer sistema social que a educação deveria ser levada
muito além do que ela o é, presentemente, e, em parte, teria por objetivo
tornar o homem capaz de usar o “lazer” inteligentemente. E quero, sobretudo,
acentuar que não estou pensando em coisas que poderiam ser consideradas
“altamente intelectuais”. As danças campesinas se extinguiram, exceto nas zonas
rurais longínquas, mas os estímulos que causaram o seu cultivo ainda devem
existir na natureza humana. Os prazeres das populações urbanas têm se tornado,
sobretudo, passivos, como ir ao cinema, assistir a uma partida de futebol, ouvir
uma sessão de rádio, e assim por diante. Isso resulta do fato de suas energias
terem sido absorvidas inteiramente pelo trabalho. Se elas tivessem uma vida de
mais “lazer”, poderiam usufruir prazeres nos quais tomassem parte mais ativa.”
“Este sistema de existir uma classe sem ocupação,
hereditária, isenta de deveres, foi, todavia, extremamente nocivo. Nenhum dos
membros da classe foi instruído no sentido de ser trabalhador e a classe, como
um todo, não era excepcionalmente inteligente. A classe pôde produzir um
Darwin, mas, em face dele, se encontravam milhares de cavalheiros que nunca
pensaram em coisa mais inteligente do que caçar raposas e castigar caçadores
furtivos. No momento, as universidades estão em condições de fornecer, de um
modo sistemático, o que a classe sem ocupação forneceu acidentalmente, como um
subproduto. Isso constitui um grande melhoramento, mas apresenta certas
desvantagens. A vida universitária é tão diferente do mundo em liberdade que o
homem que vive num milieu acadêmico
tende a desconhecer as preocupações e problemas do homem e da mulher; além
disso, a maneira de se exprimirem causa uma influência contrária a que deveriam
causar sobre o público em geral.”
“Num mundo onde ninguém é obrigado a trabalhar mais do
que quatro horas por dia, todo indivíduo, possuído de curiosidade científica,
será capaz de entregar-se a ela, e todo pintor poderá preparar os melhores
quadros sem morrer de fome. Os jovens escritores não serão obrigados a
escreverem coisas sensacionais para atrair a atenção, tendo em vista adquirir a
independência econômica necessária, para escrever obras monumentais para o que
aliás, chegado o momento, já terão perdido o gosto e a capacidade. Os homens
que, em seu trabalho profissional, se tornaram interessados por determinado
aspecto da economia política ou do governo, serão capazes de desenvolver suas
ideias, sem a separação acadêmica, a qual torna carente de realidade o trabalho
dos economistas universitários. O médico terá tempo para se por em dia com os
progressos da medicina, o professor não terá de lutar exasperadamente para
ensinar, por métodos rotineiros, coisas que aprenderam na mocidade, e que, com
o correr dos tempos, ficou provado não serem verdadeiras.
Sobretudo, haverá felicidade e alegria de viver, em vez
de nervos em frangalhos, desgaste e dispepsia. O trabalho deve ser dosado para
tornar o “lazer” delicioso e nunca para produzir o esgotamento. Uma vez que os
homens não se cansam em suas horas de “lazer”, a eles pouco importa que os
divertimentos sejam passivos ou insípidos. Pelo menos, um por cento,
provavelmente, dedicará o tempo que não foi gasto em pesquisas de alguma
importância pública e, uma vez que não dependem dessas mesmas pesquisas para
sua manutenção, sua originalidade terá livre curso e não haverá mais
necessidade de conformar-se com padrões estabelecidos pelos pundites de idade
madura.
Mas, não é somente nesses casos excepcionais que as
vantagens do “lazer” aparecerão. Ordinariamente, os homens e as mulheres comuns
que têm a oportunidade de uma vida feliz se tornarão mais bondosos, menos
opressores e menos inclinados a ver os outros com suspeita. O gosto pela guerra
desaparecerá, em parte, por essa razão e, em parte, porque implica um grande e
severo trabalho para todos. A boa índole é a única entre todas as qualidades
morais a de que mais precisa o mundo, e a boa índole é o resultado do sossego e
da segurança para todos; mas, em vez disso, o que escolhemos foi o trabalho demais
para uns e a fome para outros. Até agora, continuamos a ser tão ativos quanto o
éramos antes da existência das máquinas. Por este ponto de vista, temos sido
insensatos, mas não há razão para continuarmos a sê-lo indefinidamente.”
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