terça-feira, 18 de maio de 2010

A PREGUIÇA, SEGUNDO LA ROCHEFOUCAULD



De todas as paixões a que nos é mais incógnita é a preguiça. É a mais ardente e a mais maligna de todas, ainda que a sua violência seja imperceptível e que os seus danos se escondam. Se observarmos com atenção o seu poder, notaremos que ela se torna sempre mestra dos nossos sentimentos, dos nossos interesses e dos nossos desejos. Ela é a demora que tem a força para fazer parar os maiores navios, é uma calmaria mais perigosa para as grandes empresas do eu do que os bancos de areia e do que as maiores tempestades. O repouso dado pela preguiça é uma sedução secreta da alma, que pára de repente as lutas mais inflamadas e as resoluções mais obstinadas. Enfim, para se dar uma verdadeira ideia desta paixão, é preciso dizer que a preguiça é como que um estado de beatitude da alma, consolando-a das suas perdas e ocupando o lugar de todos os bens.

La Rochefoucauld, in 'Reflexões'

segunda-feira, 3 de maio de 2010

DIA DE PREGUIÇA





hoje não, amor
que é meu dia de preguiça

sim, eu sei do que tu gostas
eu sei bem como tu gostas
e daqueles jeitos todos
tu me dás, depois, muito cansaço

então, hoje não, amor
que meu dia é de preguiça

sim, eu sei que promessas
foram essas,
que beijos foram depregados
e grudados
e tudo o mais
mas, e depois, amor, e depois?

não, é melhor não, que hoje
é meu dia de preguiça

gosto, sim, amor, quando tua
língua me percorre, quando
tuas umidades me esquentam
quando nua
te abres e te abandonas,
mas, enfim, hoje
não que eu não queira
não que eu não deseje
mas, enfim, é sim, meu dia
meu dia de preguiça

e por ser hoje o meu dia
de preguiça, vem aqui perto
e deixa
que eu te veja, apenas,
que te olhe
que me molhe
só com o pensar
sem tocar,
sem outro tesão
que o dos olhos

claro, amor, amanhã
de manhã, talvez
mas, sim, com certeza,
com absoluta certeza,
amanhã à tarde,
que hoje...

hoje é meu dia de preguiça