Como
o senhor chegou às suas conclusões sobre o ócio criativo?
Domenico
de Masi - Estudei primeiro o trabalho dos operários;
depois o trabalho dos empregadores. Com o aumento do trabalho intelectual no
sistema produtivo, notei que havia uma distinção cada vez mais tênue entre o
trabalho propriamente dito e a criatividade. E sendo a criatividade a principal
ferramenta do trabalho, fica difícil distinguir os momentos em que estamos de
fato trabalhando duro ou os momentos em que, mesmo usufruindo de tempo livre,
estamos criando coisas. Isso acontece comigo: não sei quando estou trabalhando
ou me divertindo — estou sempre tendo idéias, criando. Então, estudando esses
grupos de trabalho sustentados pela criatividade, percebi que todos trabalhavam
com o auxílio de jogos, brincadeiras, atividades lúdicas. Demonstrei que todos
os grupos de criatividade trabalham como se fosse lazer. Sobre esse estudo,
escrevi o livro A emoção e a regra.
É
possível todos os trabalhadores desenvolverem essa relação entre trabalho e
lazer, ou seja, tornar seu trabalho mais prazeroso?
Domenico
de Masi - Depende do tipo de trabalho que você faz. Temos
aquele trabalho que casa com o estudo. É como um jornalista ou o trabalho de um
cientista. Ou estudar medicina com alguém divertido. Ou o trabalho de um ator.
O problema é unir as duas coisas e ter uma atividade na qual coexistam estudo,
trabalho e tempo livre. O segredo é buscar uma interseção entre tudo isso.
Assim qualquer pessoa poderá vivenciar melhor seu ócio criativo.
Transportando
essa relação para a escola, então...
(De Masi mostra um gráfico em que desenhou três esferas: uma com nome trabalho,
outra com o nome lazer e outra referente ao tempo livre. Ele simplesmente faz
um sinal com a caneta, mostrando o que acontece na prática.)
Domenico
de Masi - A escola tradicional só faz interseção com o
trabalho. Nunca com o lazer e o tempo livre.
Qual
seria a maior falha dos atuais sistemas de ensino, já que a escola e os
professores são considerados pelo senhor como os principais inimigos do ócio
criativo? O que pode ser feito, em termos de transmissão de conhecimento, para
que essa realidade comece a mudar?
Domenico
de Masi - Para começar, as escolas devem abolir, a todo
custo, a imagem ou idéia de que o estudo deve ser algo penoso e chato —
exatamente como o trabalho. No entanto, o sistema pede que as escolas preparem
as crianças para serem trabalhadores eficazes. É preciso que as escolas
incorporem mais atividades lúdicas, que provoquem espaço para a reflexão e o
questionamento.
Por outro lado, é necessário que professores se
aperfeiçoem para tornar a transmissão de conhecimento algo mais interessante e
menos massacrante, mecânico. O professor que não tenha ido à Europa, ou sequer
navegado pela internet não pode ensinar nada a ninguém. O professor que não usa
a internet é um delinquente! (risos) É preciso resgatar a dignidade entre
escolas, professores e alunos. Acho que essa mudança vai acontecer
naturalmente, à medida em que morrem os professores antigos e chegam os jovens.
Para os jovens, a criatividade simplesmente flui.
No
Brasil, há 40% de analfabetos e a maioria dos professores é mal remunerada, têm
deficiências de formação e, efetivamente, não tem condições de ir à Europa ou
de navegar na internet. O que fazer então?
Domenico
de Masi - Não estou falando para o universo dos
analfabetos nem do ensino público brasileiro, e sim para o universo dos
alfabetizados, em especial os professores. E, se os professores brasileiros são
carentes, o país é carente. Esse é o problema primordial do Brasil. Os ricos, a
elite, parecem não entender isso. Está principalmente na mão da elite
brasileira resolver ou não essa questão. Só ela tem as ferramentas para isso. É
sua contribuição social. O Brasil tem dois países num só — o dos ricos e o dos
pobres.
Falando
de questões da sociedade pós-industrial, como a globalização e o desemprego, como
o desempregado pode desenvolver seu ócio criativo?
Domenico
de Masi - Se o desempregado é rico, então tudo bem!
Há dois tipos de desempregados: o pobre financeiramente e intelectualmente e o
rico financeiramente e com boa formação intelectual. Esse pode se ocupar de
música, literatura, cinema e tem mais chances de desenvolver seu ócio de
maneira criativa. O pobre precisa comer, precisa de dinheiro. O pobre tem de se
ocupar com a sobrevivência. O ócio criativo é um problema de ricos, para quem
já tem um mínimo de estrutura garantida.
Qual
é o projeto que o S3 Studium pretende desenvolver no Brasil? O que é preciso
para os interessados participarem dele?
Domenico
de Masi - Fechamos um acordo com a faculdade Getúlio
Vargas para criar em São Paulo uma sede da escola. Formamos jovens para que se
tornem planejadores — de uma empresa, escola, jornal ou bairro. Estamos
formando agora os professores. Depois, em 2001, começaremos a formar alunos
brasileiros. Ainda não estamos selecionando alunos, mas eles só precisam ter um
diploma universitário e vontade de mudar o sistema para se juntarem a nós.
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Juliana Resende/BR
Press