domingo, 5 de janeiro de 2025

DOLCE FAR NIENTE – A DOÇURA DE NÃO FAZER ABSOLUTAMENTE NADA

 

John William Godward


Você já considerou a possibilidade de não fazer absolutamente nada? Pois bem, a expressão “italiana dolce far niente” exprime exatamente esse prazer da despreocupação em fazer alguma coisa. Afinal, por mais relaxantes que sejam as práticas citadas anteriormente, às vezes, tudo o que precisamos é dar uma pausa, no sentido mais literal da palavra.


Apesar de parecer a mais simples das práticas abordadas aqui, não fazer nada pode ser bastante desafiador. Isso porque, além dos inúmeros estímulos que precisamos ignorar, a ideia pode trazer novamente a sensação de culpa. Uma vez com essa culpa superada, porém, é fácil praticar o ócio criativo – e passar a viver mais fazendo menos.


Sem confundir o “dolce far niente” com um cochilo, procure se deitar ou se sentar em algum lugar confortável, desligue o celular e concentre-se no que for mais despretensioso ao seu redor: o céu e as nuvens, o transitar das pessoas ou dos carros, o balançar de algum objeto ao vento… simplesmente, deixe-se ser levado.



Fonte:


terça-feira, 12 de novembro de 2024

O BLOG TRAPICHE DO ÓCIO DEFENDE O FIM DA ESCALA DE TRABALHOP 6X1



Se defendemos o ócio criativo, não poderíamos nós, aqui, desse blog destinado à preguiça, nos manter afastados da discussão que toma conta do País, com uma posição firme:

QUANTO MENOS TRABALHO, MAIS CRIATIVIDADE, MAIS QUALIDADE DE VIDA.

CHEGA DE ESCRAVIDÃO!!!

Jean-Baptiste Debret 

Leia a matéria a seguir (fonte no final):

FIM DA ESCALA 6X1: O QUE DIZ A PROPOSTA QUE REDUZ JORNADA DE TRABALHO PARA 36 HORAS SEMANAIS


Uma mobilização nas redes sociais em torno da jornada de trabalho está provocando uma discussão para alterar direitos dos trabalhadores previstos na Constituição.

Alguns internautas estão fazendo campanha para que deputados apoiem uma Proposta de Emenda Constitucional apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) que reduziria a jornada de trabalho legal no Brasil para 36 horas por semana. Um abaixo-assinado coordenado por um movimento fundado por um ex-balconista de farmácia já atraiu mais de 2 milhões de assinaturas.

A discussão começou depois de uma campanha mobilizar trabalhadores contra a chamada "escala 6x1", em que se trabalha seis dias por semana para uma folga.

"Se você ainda não sabe o que é essa tal de escala 6x1, ela é uma escala de trabalho permitida pela nossa legislação na qual se trabalha 6 dias seguidos, e se folga apenas um dia por semana", diz Hilton em uma postagem no X.

"Isso tira do trabalhador o direito de passar tempo com sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6x1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador."

A redução da jornada de trabalho proposta por Hilton promoveria no Brasil uma escala do tipo 4x3 — ou seja, com trabalho em quatro dias por semana para três dias de folga. A parlamentar defende que isso seja feito sem redução salarial. No entanto, parlamentares e entidades empresariais criticam a proposta, e dizem que ela acarretaria prejuízos econômicos, aumento de custos e desemprego.

Na segunda-feira (11/11/2024), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que a redução da jornada de trabalho deveria ser tratada por convenções e acordos coletivos de trabalho.

"O Ministério do Trabalho entende que a questão da escala de trabalho 6x1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho. A pasta considera, contudo, que a redução da jornada para 40 horas semanais é plenamente possível e saudável, quando resulte de decisão coletiva."

A reação do ministro foi criticada por defensores do fim da escala 6x1 — que pedem apoio direto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva à causa.


Entenda abaixo a discussão.


O que é a escala 6x1?

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que funcionários não podem trabalhar mais de 8 horas por dias ou 44 horas por semana — com possibilidade de duas horas extras por dia, mediante acordo trabalhista.

A escala de trabalho — ou seja, como essas horas são divididas por dia de trabalho — não é estipulada pela lei.

Assim, as empresas podem definir a escala como quiserem. A escala mais comum é a 5x2 — de cinco dias trabalhados, com dois de folga.

Mas no comércio, por exemplo, uma das escalas mais comuns é a 6x1 — com seis dias de trabalho para um dia de folga.

Há dois tipos de escala mais comuns dentro da 6x1:

7 horas e 20 minutos por dia

ou 8 horas diárias com alguns dias mais curtos, para compensar

Uma das reclamações dos trabalhadores é sobre o dia de descanso — que deveria ser preferencialmente tirado no domingo, para coincidir com o de familiares e amigos — mas muitas vezes é tirado no meio da semana.

Como começou esse movimento?

O fim da escala 6x1 é a principal meta de um movimento chamado Pela Vida Além do Trabalho (VAT) fundado por Rick Azevedo, um ex-balconista de farmácia que se elegeu vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro na eleição passada.

Azevedo trabalhava na farmácia em 2023 quando gravou um vídeo que viralizou no TikTok.

O vídeo foi gravado pouco depois de sua chefe ligar para ele em sua folga e pedir que ele entrasse mais cedo no trabalho no dia seguinte.

"Quando é que nós da classe trabalhadora iremos fazer uma revolução nesse país contra essa escala 6x1? Gente, é uma escravidão moderna. Moderna não: ultrapassada", diz Azevedo no vídeo.

"Eu que não tenho filho, que não tenho nada, que sou sozinho, não dá para fazer as coisas. Imagina quem tem filho, quem tem marido, quem tem casa para cuidar".

"A pessoa tem que se doar para a empresa seis dias na semana e só um dia para folgar. E isso por salário mínimo. Gente, não dá."

O vídeo explodiu em visualizações e Rick passou a fazer campanha pelas redes sociais pelo fim da escala 6x1.

Foi criado então o movimento Pela Vida Além do Trabalho, com um abaixo-assinado na internet que já foi assinado por mais de 2 milhões de pessoas.

"É de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, com a escala de trabalho 6x1 sendo uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores. A carga horária abusiva imposta por essa escala de trabalho afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares", diz o abaixo-assinado.

O movimento propõe a "revisão da escala de trabalho 6x1 e a implementação de alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada, permitindo que os trabalhadores desfrutem de tempo para suas vidas pessoais e familiares".

O Congresso vai acabar com a escala 6x1?

A ideia de Rick Azevedo foi levada adiante pela deputada federal Erika Hilton, que em 1º de maio deste ano propôs uma Proposta de Emenda Constitucional.

A deputada afirma ter coletado 134 assinaturas de parlamentares. No entanto, para tramitar no Congresso, o texto precisa de 171 assinaturas.

A mudança proposta pela PEC não fala especificamente sobre a escala. Ela trata da redução da jornada de trabalho semanal.

Hilton quer mudar o artigo 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos dos trabalhadores. Hoje a lei diz que o horário normal de trabalho não deve ser maior que oito horas diárias e 44 horas semanais.

A PEC propõe mudar a jornada de trabalho para 36 horas semanais.

"O momento é o de transformar as garantias conquistadas por determinadas categorias profissionais em direito para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente, requerendo o fim da escala 6x1 e adoção da jornada de 4 dias no Brasil", diz o texto da PEC, em sua justificativa.

O texto afirma que a redução da jornada de trabalho deve ser implementada sem redução de salário.

Uma redução de oito horas semanais na jornada de trabalho — de 44 horas para 36 horas — implicaria na adoção de uma escala 4x3 para a maioria das empresas.

O que é a escala 4x3?

O texto cita algumas experiências já feitas com a escala 4x3, como um projeto piloto realizado em setembro do ano passado pelas entidades Reconnect Happiness at Work, 4 Day Week Global e Boston College.

"Cerca de 22 empresas com até 250 colaboradores aderiram à iniciativa, em que os resultados do projeto no país, apresentam projeções importantes para a transição das jornadas de trabalho para o modelo de 4 dias, em que é possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa", defende o texto da deputada.

No site do movimento 4 Day Week Global, os organizadores dizem que o projeto piloto teve dados coletados pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP).

Segundo o movimento, "61,5% dos participantes observaram melhorias na execução de projetos, 44,4% relataram uma capacidade aumentada de cumprir prazos, 82,4% sentiram um aumento de energia para realizar tarefas, e 62,7% experimentaram uma redução no estresse no trabalho".

"Além disso, 85,4% notaram um incremento na colaboração entre colegas, enquanto 65% relataram uma redução na exaustão e 74% observaram uma melhoria na saúde física. Em termos financeiros, 72% das empresas participantes relataram um aumento na receita durante o período do piloto."

Neste mês, o 4 Day Week Global começou outro projeto piloto de seis meses no Reino Unido, em que 17 empresas vão experimentar mudar para o modelo de semana com quatro dias de trabalho.

Quem é contra a redução da jornada de trabalho?

Alguns parlamentares conservadores — como Nikolas Ferreira (PL/MG) e José Medeiros (PL-MT) — e empresários são contra as mudanças propostas na lei.

A Confederação Nacional do Comércio afirma que não é possível reduzir a jornada de trabalho sem reduzir o salário dos funcionários. A entidade representa mais de 4 milhões de empresas, responsáveis por 23,8 milhões de empregos diretos e formais.

"Embora entendamos e valorizemos as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas demandas sociais, destacamos que a imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas", diz uma nota da CNC divulgada na segunda-feira (11/11).

A entidade prevê que a PEC provocaria uma onda de demissões no país e possível aumento de preço para consumidores.

"O impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos, diminuir os salários de novas contratações, fechar estabelecimento em dias específicos, o que diminui o desempenho do setor e aumenta o risco de repassar o desequilíbrio para o consumidor."

O impacto maior seria sentido pelos setores de comércio e serviços que "exigem uma flexibilidade que pode ser comprometida com a implementação da semana de quatro dias, dificultando o atendimento às demandas dos consumidores e comprometendo a competitividade do setor".



sexta-feira, 10 de maio de 2024

CALVIN E HAROLDO



Quem nunca fez ou pensou ou desejou o que o moleque Calvin e seu tigre de pelúcia, Haroldo, estão dizendo e "fazendo"?

Que atire a primeira pedra...



sábado, 4 de maio de 2024

A OCIOSIDADE TEM DE SER ROUBADA

 

 (Johannes Vermeer - a maid asleep)


"É impossível desfrutar completamente da ociosidade se não se tiver muito trabalho para fazer. Não tem graça nenhuma não fazer nada quando não se tem nada para fazer. Então, desperdiçar tempo é meramente uma ocupação e bem cansativa. A ociosidade, como os beijos, para ser doce, tem de ser roubada.“

— Jerome K. Jerome (2 de Maio de 1859 – 14 de Junho de 1927), escritor e humorista inglês, in “Idle Thoughts of an Idle Fellow“ (1886).

A citação original:

“It is impossible to enjoy idling thoroughly unless one has plenty of work to do. There is no fun in doing nothing when you have nothing to do. Wasting time is merely an occupation then, and a most exhausting one. Idleness, like kisses, to be sweet must be stolen.”

sábado, 20 de abril de 2024

ÓCIO, LAZER E TEMPO LIVRE NA SOCIEDADE DO CONSUMO E DO TRABALHO

 

 






Cássio Adriano Braz Aquino [I];
José Clerton de Oliveira Martins [II]



[I] Doutor em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid. Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará. End.: Rua Artur Façanha 75/502, Mucuripe. Fortaleza, CE. CEP: 60175-130. E-mail: braz.aquino@uol.com.br

[II] Doutor em Psicologia pela Universidad de Barcelona. Pós-doutor em Estudios de Ócio pela Universidad de Deusto. Professor Titular da Universidade de Fortaleza. End.: Av. Santos Dumont, 6915, apt. 502. Fortaleza, CE. CEP: 60190-800. E-mail: clerton@unifor.br





Introdução



A importância de pensar a articulação entre os conceitos de ócio, tempo livre e lazer no contexto atual se deve, principalmente, ao fato de o trabalho - que ocupou o lugar de atividade central na inserção social e constituir fator fundamental da produção subjetiva ao longo da sociedade moderna - ser questionado como atividade dominante. Essa referência de dominância está caracterizada, principalmente, por ser a atividade laboral o elemento que demarca a estruturação dos quadros temporais das sociedades Pós-Revolução Industrial, tal como afirma a sociologia do tempo1 e, de forma destacada, os teóricos contemporâneos dos tempos sociais (Roger Sue, Gilles Pronovost, Giovanni Gasparini, Ramos Torre, dentre outros).

A partir das teorias dos tempos sociais, surge, então, uma pergunta que parece crucial para reiterarmos a importância de caracterizar esses três conceitos, que dão título ao artigo, a saber, ócio, tempo livre e lazer. Considerando que, ao longo da sociedade industrial, foi o trabalho a atividade que ocupou a centralidade na organização da temporalidade social, seria o ócio a atividade que ocuparia na sociedade pós-industrial o lugar que foi ocupado pelo trabalho na sociedade industrial? A atividade social e o tempo que a demarca precisam ser postos em discussão para que tenhamos elementos para a formulação de uma análise crítica do contexto social em que hoje vivemos.

O fator temporal passa por metamorfoses significativas, iniciadas no momento em que o homem resolve medir o tempo cotidiano e quantificar o tempo social na sociedade industrial, chegando à comercialização do próprio tempo, que se torna uma mercadoria e passa a ter valor econômico.

Neste espaço, surge a pressa como um fenômeno típico da atualidade e como mola mestra para os avanços tecnológicos que fabricam equipamentos para se poder ganhar mais tempo.

Os telefones celulares, o fax, o pager, a internet, entre outros, são mecanismos que marcam essa busca incessante por mais tempo, porém, paradoxalmente, o homem termina por preencher esse tempo disponível com mais atividades e afazeres.

No caos entre necessidades econômicas e existenciais, o homem contemporâneo se vê dividido entre as obrigações impostas por suas atividades laborais e o desejo de libertar-se dessas tarefas e, assim, poder usufruir um tempo para si.

No entanto todo processo de educação/formação/orientação da sociedade moderna gerou os valores da atual sociedade do consumo, não contempla a orientação para ser/existir num tempo de "nada fazer"2.

A maior ou a menor variação desse tempo na vida dos indivíduos organiza-se e estrutura-se de acordo com padrões assimilados sobre como se deve dispor o tempo para as diversas atividades, além de como o sujeito valora o sentido do tempo cotidiano para si. Desta maneira, as diferentes formas de sentir, pensar, agir e estabelecer o tempo seguem padrões culturais que se refletem na ação do sujeito.

Munné (1980) apresenta uma tipologia do tempo social, que se revela através de quatro tipos fundamentais: o primeiro é o tempo psicobiológico, que é ocupado e conduzido pelas necessidades psíquicas e biológicas elementares, o que engloba o tempo de sono, nutrição, atividade sexual etc. Esse tempo se condiciona endogenamente, é um tempo individual.

A segunda tipologia seria o tempo socioeconômico, que diz respeito ao tempo empregado para suprir as necessidades econômicas fundamentais, constituídas pelas atividades laborais, atividades domésticas, pelos estudos, enfim, pelas demandas pessoais e coletivas, sendo que esse tipo de tempo está quase que inteiramente heterocondicionado, somente sendo autocondicionado nas circunstâncias que visam à realização pessoal.

A terceira tipologia seria o tempo sociocultural, sendo aquele dedicado às ações de demandas referentes à sociabilidade dos indivíduos que se refere aos compromissos resultantes dos sistemas de valores e pautas estabelecidos pela sociedade e objeto maior de sanção social. Esta categoria de tempo tanto pode ser heterocondicionado como autocondicionado, podendo existir um equilíbrio entre os dois pólos.

Finalmente, o autor apresenta a quarta categoria, o tempo livre, que se refere às ações humanas, realizadas sem que ocorra uma necessidade externa. Neste caso, o sujeito atua com percepção de fazer uso desse tempo com total liberdade e de maneira criativa, dependendo de sua consciência de valor sobre seu tempo.

O tempo livre deveria ser um tempo máximo de autocondicionamento e mínimo de heterocondicionamento, isto é, ser constituído por aquele aspecto do tempo social, em que o homem conduz com menor ou maior grau de nitidez a sua vida pessoal e social.

No entanto, neste tempo que poderia ser um tempo voltado para o ócio mais verdadeiro, o consumismo termina por deteriorá-lo, mercantilizá-lo, coisificando-o e empobrecendo-o de significados.

Encontra-se na literatura que é preciso educar os sujeitos não só para perceber os meandros do trabalho, mas também para os mais diversos e possíveis ócios, significa ensinar como se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigoso quanto a alienação derivada do trabalho (De Masi, 2000, p. 326).

Segundo Muller (2003), a educação costuma sonegar o direito ao ócio; observa-se que as escolas tendem a preparar a criança para a importância da profissão e do trabalho no futuro, isto é, preparam crianças e jovens para a vida adulta moldada pelo trabalho, porém não há orientação nesse processo para o uso adequado do tempo de ócio, um fator de vital importância para a edificação de um indivíduo equilibrado. Isso porque a escola, dentro de uma concepção moderna, está profundamente demarcada pelo paradigma da produção industrial, reiterando que atividade social dominante e determinante da configuração social é o trabalho.

O aspecto educativo também se volta para a qualificação do trabalhador, mais dirigido para a questão de execução de tarefas, limitando seu potencial criativo, submetendo-o ao limite de suas habilidades, àquela ou a esta função.

Em Elogio ao Ócio, Russell critica de forma categórica a concepção estritamente utilitária da educação, afirmando que esta ignora as necessidades reais dos sujeitos e que os componentes culturais na formação do conhecimento se ocupam em treinar os indivíduos com meros propósitos de qualificação profissional, esquecendo, desta maneira, os pensamentos e desejos pessoais dos indivíduos, levando-os a ocuparem boa parte de seu tempo livre com temas amplos, impessoais e sem sentido (2002: 37).



Sobre ócio, tempo livre e lazer.



A compreensão do conceito de ócio surge na contemporaneidade, um pouco obscura, haja vista a amplitude que o termo possibilita pelos sentidos diversos que toma, de acordo com as realidades de abordagens e interesses intrínsecos.

Em nossas investigações, encontram-se três termos que, cotidianamente, aparecem como sinônimos, inclusive, muitas vezes, especialistas os utilizam como equivalentes. No entanto, sabe-se que tais termos possuem diferentes sentidos e, para seguir em frente, melhor esclarecer. Os termos são: ócio, tempo-livre e lazer.

Como se pode observar, no Brasil, no sentido corriqueiro, as palavras ócio e lazer aparecem como semelhantes. O termo tempo livre também está carregado dos mesmos sentidos, embora fique evidente, já nas primeiras aproximações, que os fenômenos lazer e ócio necessitam de um tempo liberado ou livre e resguardam relação com liberdade.

Estudos atuais evidenciam que ambos são muito diferentes pelo contexto de liberdade que invocam. No caso, um se apresenta na dinâmica social brasileira carregado dos valores do capital, relacionando-se diretamente com tempo de reposição de energia para o trabalho. O outro envolve um sentido de utopia por orientar a uma liberdade supostamente, longe de ser alcançada, haja vista a própria dinâmica socioeconômica preponderante.

Em Munnè (1980) e Gómez (1992), encontra-se que existe uma relação forte da palavra ócio em espanhol com a palavra grega scholé, carregada do sentido de um lugar para o livre desenvolvimento individual. Remonta ao processo educativo daquela civilização. Gómez (1992) sugere que nesta palavra grega está a origem etimológica e sentido primeiro da palavra "escola" em vários idiomas modernos, como: school no inglês, école no francês, escuela no espanhol e "escola" no português.

O termo lazer é atualmente utilizado de forma crescente, podendo ser empregado em sua concepção real ou ser associado a palavras como entretenimento, turismo, divertimento e recreação, porém o sentido do lazer é tão polêmico quanto a origem e o sentido do termo ócio.

Compreende-se que a palavra lazer, no Brasil, resguarda seu sentido relacionado à sociologia do lazer de Dumazedier (1972; 1979), que levou à vulgarização da teoria dos três "D's".3

Por outro lado, a palavra ócio resguarda valores negativos apregoados pela influência religiosa puritana, pela própria história da industrialização e modernização brasileira, ao longo da qual se pode observar, claramente, o surgimento de uma nova ordem entre empresários e empregados, operários e patrões e a necessidade de controle social no tempo fora do trabalho, para garantir a ordem numa sociedade elitista, herdeira de valores colonialistas.

Faz-se necessário declarar outra fonte de equívocos na compreensão dos referidos termos no Brasil. Trata-se das traduções de obras originadas da produção científica espanhola e italiana que trazem a utilização do termo ócio com o mesmo sentido atribuído ao termo lazer, basta observar a obra de Domenico de Masi (2000; 2001), difundida no Brasil intensivamente, a partir da década de 90. E ainda outras, como Puig e Trilla (2004), De Gracia (1966), apenas para citar algumas.

Sabe-se que, nas sociedades pré-industriais, as atividades lúdicas, hoje atribuídas ao lazer, estavam ligadas ao culto, à tradição, às festas e não existia de fato o lazer em si, pois as atividades de trabalho envolviam ludicidade e prazer criativo.

O trabalho e o lazer se intercalavam no cotidiano do indivíduo. O trabalho e o tempo subjetivo eram difíceis de serem percebidos separadamente, pois ambos possuíam intrínsecas relações. É curioso perceber que, em sociedades onde a industrialização não foi hegemônica, essa relação do caráter lúdico e criativo, que hoje se associa ao lazer, está presente em atividades laborais, que não compõem o modelo industrial de produção.

Elungu (1987), ao discorrer sobre a estrutura temporal em algumas sociedades africanas, fala da dificuldade de adaptação de tribos ao modelo de divisão do tempo imposto pela organização produtiva industrial, e, conseqüentemente, a resistência dos indivíduos a desvincular sua atividade produtiva dos prazeres lúdicos. Em algumas dessas sociedades, não há categorias distintivas entre o trabalho e o lazer.

O ócio é tão antigo quanto o trabalho, porém, somente após a Revolução Industrial, com o surgimento do chamado tempo livre, que representa uma conquista da classe operária frente à exploração do capital, é que foi evidenciado, ocorrendo a nítida separação entre tempo-espaço de trabalho (produção) e lazer (atividades contrárias ao trabalho) enquanto tempo para atividades que se voltam para a reposição física e mental.

Lazer é uma palavra muito presente na realidade brasileira e percebe-se, a partir da literatura investigada, a influência marcante do sociólogo francês Dumazedier, como já se evidenciou. Assim, lazer tomou o sentido de

[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (Requixa, 1976 p. 33).



De acordo com Dumazedier (1972,1979), o lazer é exercido à margem das obrigações sociais em um tempo que varia segundo a forma de intensidade de engajamento do mesmo em suas atividades laborais. O lazer encontra-se submetido a um lugar de destaque, com funções de descanso, desenvolvimento da personalidade e diversão. Por outro lado, o ócio, representa algo mais do que essas categorias, ele está no âmbito do liberatório, do gratuito, do hedonismo e do pessoal, sendo estes fatores não condicionados inteiramente pelo social e sim pelo modo de viver de cada um, relacionado com o prazer da experiência.

O sociólogo Renato Requixa compreendeu "lazer como uma ocupação não obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vivencia e cujos valores propiciam condições de recuperação e de desenvolvimento pessoal e social" (1977, p. 11). O autor ressalta que o ambiente urbano industrial permitiu que o trabalhador fosse dispondo de um tempo verdadeiramente livre e com tendência a aumentar. Entende-se que seu estudo se faz importante para o pensamento sobre o lazer no Brasil, pois orienta rumo à compreensão de que o tempo livre é um elemento indispensável para o desenvolvimento do lazer e do homem.

Outro pesquisador brasileiro de destacada produção e que leva sua linha de pensamento a partir das teorias de Dumazedier é Marcelino (1983). Este pesquisador mostra o lazer como uma atividade desinteressada, sem fins lucrativos, relaxante, sociabilizante e liberatória. Para Marcellino, a democracia política e econômica é condição básica, ainda que não suficiente, para uma verdadeira cultura popular; para a eliminação das barreiras sociais que inibem a criação e práticas culturais.

Ainda a partir de Dumazedier, Camargo (1989) conceitua o lazer como um conjunto de atividades que devem reunir certas características: devem ser gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo livre, subtraído ou conquistado, historicamente, da jornada de trabalho profissional e doméstica e que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.

Observa-se, nas definições citadas, que o caráter liberador do lazer é resultado da livre escolha, embora esta não exista de forma absoluta, uma vez que a livre escolha está marcada por condicionamentos diversos, sobretudo os socioeconômicos.

Novos investigadores surgem aportando abordagens críticas aos estudos do lazer no Brasil, explicitando a necessidade de visualizar o fenômeno como fruto de um processo econômico social específico brasileiro, chamando atenção para a necessidade de observar o fenômeno enquanto elaboração social, orientado pela dominação, alienação produzida pela relação capital-trabalho da qual, segundo suas afirmações, não se deve fugir.

Nesse sentido, ressalta-se o trabalho de Mascarenhas (2005) e Marcassa (2002), em que se observam colocações como esta:

[...] sobre o que é o lazer, é comum ainda encontrarmos respostas que o associam à participação e ao desenvolvimento, dentre outras possibilidades que evidenciam seu potencial formativo, mas o fato é que tendencial e predominantemente o que ele constitui mesmo é uma mercadoria cada vez mais esvaziada de qualquer conteúdo verdadeiramente educativo, objeto, coisa, produto ou serviço em sintonia com a lógica hegemônica de desenvolvimento econômico, emprestando aparências e sensações que, involucralmente, incitam o frenesi consumista que embala o capitalismo avançado. (...) o que estamos querendo dizer é que num movimento como nunca antes se viu o lazer sucumbe de modo direto e irrestrito à venalidade universal. A mercadoria não é apenas uma exceção no mundo do lazer como antes, mas sim a regra quase geral que domina a cena histórica atual (Mascarenhas, 2005, p.141).



No trabalho de Mascarenhas (2005), encontra-se referência ao trabalho de Marcassa (2002) sobre a invenção do lazer no Brasil, em que relaciona o fenômeno com a internacionalização do capital,

[...] quando, em fins do século XIX, início do XX, o incipiente projeto de modernização e industrialização promove a supressão do trabalho compulsório, fincando bases sobre a exploração do trabalho livre. Vincula-se, além disso, ao impulso dado à urbanização das cidades e às iniciativas de racionalização da política. Associado à tradição colonial, o lazer vai sofrer todo o tipo de intervenção e controle, submetido a um tipo de condenação moral que buscava ajustar o antigo modo de vida às exigências da produção capitalista. Como esclarece a autora, o lazer constituía-se como expressão de uma ação deliberada de amoldamento da subjetividade proletária, um processo de institucionalização da vida cultural que atingiu em cheio a formação social dos trabalhadores na direção do aburguesamento da sociedade, banindo assim experiências não alinhadas à nova disciplina do trabalho (em Mascarenhas, 2005, p. 230-231).

A palavra ócio, derivada do latim otium, significa o fruto das horas vagas, do descanso e da tranqüilidade, possuindo também sentido de ocupação suave e prazerosa, porém, como ócio, abriga a idéia de repouso, confunde-se com ociosidade.

Com a Revolução Industrial, um novo conceito de ócio se torna evidente, um conceito oposto ao de ócio contemplativo grego, impregnado da mentalidade puritana, "pai de todos os vícios". Desta forma, o trabalho se torna a fonte de todas as virtudes, e a jornada de trabalho aumenta de maneira assustadora, gerando, assim, descompensações psicossomáticas na grande maioria das pessoas, conforme defendem Paul Lafargue e Bertrand Russell (em De Masi, 2001), ferrenhos críticos da mistificação do trabalho e de seu excesso desnecessário.

O ócio, na atualidade, tem sido fonte de polêmica. Sabemos que a redução da jornada de trabalho gerou o tempo livre, assim como a problemática com relação a sua utilização adequada.

Para Herbert Marcuse (1975), o ócio foi manipulado de tal maneira que se tornou um mecanismo gerador de idéias consumistas, ou seja, ócio foi utilizado para a criação de falsas necessidades materiais. Devido a este fato, temos, hoje, a preponderância do Ter sobre o Ser, que gera uma desmedida ambição por prosperidade.

A década de 90 coloca a palavra ócio em moda no Brasil, fruto das publicações do sociólogo Domenico de Masi, que apregoa sua idéia de ócio criativo como um modelo a ser perseguido por pessoas e organizações, na busca de um modo de viver e trabalhar criativamente, a partir da redução do tempo de trabalho, descentralização da empresa enquanto lugar de trabalho e do surgimento de uma nova economia centrada no novo tempo livre.

Em nota da investigação de Mascarenhas (2005), encontra-se que

[...] no campo do lazer, a razão instrumental implícita à noção de ócio criativo é pioneiramente percebida em pesquisa realizada por Marcellino. Para este autor, a abordagem de De Masi é marcada por valores utilitaristas e compensatórios. Ocorre que De Masi não concebe o ócio criativo nem como compensação escapista às insatisfações do trabalho e nem como instrumento para a recuperação da força de trabalho, mas, sim, como o próprio trabalho, supostamente, colonizado pelo ócio, isto é, o trabalho criativo que, ao mesmo tempo, confunde-se e iguala-se ao ócio criativo (p. 216).



Não se quer, aqui, defender ou atacar este ou aquele pensamento. Pretende-se demonstrar as principais idéias sobre o fenômeno ócio e lazer que interferem na compreensão geral do tema no Brasil.



O ócio é livre, o "tempo livre", não.



O tempo livre e o ócio são tomados, muitas vezes, como fazendo referência a um mesmo fenômeno social. Não obstante, são conceitos que têm naturezas distintas. O tempo livre, especificamente, é um conceito que remete a muitos equívocos, pois, ao referir-se ao qualificativo 'livre', pressupõe diretamente uma alusão a um tempo de 'não-liberdade' ao qual se opõe. Tempo livre de quê? Poderíamos perguntar. Em realidade, a denominação de tempo livre, apesar de ser considerada desde os antigos gregos, adquire relevo a partir de sua oposição à concepção moderna de trabalho. Essa noção de um tempo livre do trabalho conduz a uma concepção negativa deste último, ou seja, faz sobressair o caráter impositivo da atividade laboral. Há que reconhecer que o tempo livre, no contexto atual, é uma referência temporal e implica uma divisão da 'unidade' do tempo que se opõe ao tempo de trabalho.



Ainda que para muitos o tempo livre seja tomado como uma atividade, ele, a diferença do ócio, é uma referência temporal, que adquire, pelo qualificativo 'livre', uma complexidade que o faz confundir-se com ação.

Essa concepção é importante, pois, se a partir da modernidade a idéia de tempo livre passa a ser mais difundida, a referência anterior, mais genérica, era de ócio. Historicamente e pelo critério de atividade, é o ócio que se opunha ao trabalho.

O tempo livre, tal como o concebemos hoje, adveio da natureza cronológica que atinge o apogeu pós-revolução industrial. É da liberação do tempo que devia ser dedicado ao trabalho, que emerge a noção do tempo livre. Aí estão implicadas algumas variáveis. A primeira delas é que a liberdade, tomada como exercício temporal, não podia ser exercida no trabalho, pelo menos na concepção de trabalho industrial, uma vez que a organização produtiva pressupunha uma sincronização, que ainda não havia sido experimentada de forma generalizada em outros momentos da história. A segunda é que a liberdade de constituir-se como sujeito estava limitada pelo processo de alienação imposto pela produção capitalista. Como destaca Bacal (2003), o tempo livre surge da liberação de parcelas de tempo do trabalho, quando poderiam ser desenvolvidas atividades relacionadas à sobrevivência física e social do indivíduo, mas, ainda assim, atreladas à noção do trabalho.

Na Antiga Grécia, trabalho e ócio figuravam como conceitos antagônicos e com valores muito distintos dos que se conhecem hoje. Se, hoje, a temporalidade é o recurso da cisão entre trabalho e 'não-trabalho', ali, segundo Aristóteles, o ócio era um estado, ou seja, era uma condição de liberdade relativa à necessidade de trabalhar. O tempo livre, a partir do seu viés industrial, dá passo também ao surgimento da compreensão do lazer, que passa a ser concebido como uma atividade que tem sua base ancorada na existência de um tempo livre, fomentado e reconhecido legalmente, e que poderia ser exercido autonomamente pelos trabalhadores, tendo por base sua condição socioeconômica e seus valores sociais.

É na articulação do lazer ao contexto da sociedade industrial, que há uma forma de 'subversão' de valor da atividade. Se há, para alguns, uma identidade absoluta entre a noção de lazer e ócio, talvez se instaure no elemento da autonomia o diferencial entre essas duas categorias, pelo menos na mediação do tempo como elemento articulador. Não há no ócio qualquer conotação de atividade que persiga outro fim. O ócio é a atividade que traz em si a própria razão do seu fim.

Na contemporaneidade, a noção de tempo se vê bastante alterada. Nós, que estávamos profundamente acostumados ao tempo como constante objetiva, somos instados a pensá-lo também como categoria relativa e subjetiva, daí o desafio que se nos apresenta de refletir sobre categorias como tempo livre, ócio e lazer, principalmente, quando estas, na modernidade, elegeram, na firmeza de um conceito determinista de tempo, sua segurança conceitual.

Com certeza, a história vai seguir registrando o que se vai experimentando na realidade e tornando-se teoria. Talvez seja importante recuperar, aqui, a idéia de Elias (1997), que discorre sobre elementos de síntese complexa, no sentido de que algumas idéias se acumulam, não perdendo tradições, mas incorporando sentidos e se reconfigurando.



Ócio: uma abordagem a partir da experiência subjetiva



Segundo Cuenca (2003), o ócio constitui uma experiência gratuita, necessária e enriquecedora da natureza humana. Desde Aristóteles e, até hoje, filósofos e teóricos, ao tentarem precisar a natureza do ócio, relacionaram este a percepção de felicidade. Na sua compreensão, o ócio, do ponto de vista individual, tem relação com a vivência de situações e experiências prazerosas e satisfatórias.

O ócio, na visão do referido pesquisador, pode ser estudado e analisado sob duas perspectivas

do ponto de vista objetivo se confunde com o tempo dedicado a algo, com os recursos investidos ou, simplesmente, com as atividades. Do ponto de vista subjetivo, é especialmente importante considerar a satisfação que cada um percebe na experiência vivida (Cuenca, 2003:15).



Em termos subjetivos, a palavra ócio é sinônimo de ocupação desejada, apreciada e, é claro, resultado da escolha livre. É interessante ressaltar a atenção posta no significado atribuído por quem vivencia a experiência de ócio.

O ócio integra a forma de ser de cada pessoa sendo expressão de sua identidade, sendo que a vivência de ócio não é dependente da atividade em si, nem do tempo, do nível econômico ou formação de quem a vivencia, mas sim está relacionada com o sentido atribuído por quem a vive, conectando-se com o mundo da emotividade.

A subjetividade adquire, assim, um papel importante nesse desafio proposto de (re)significar e dar sentido a conceitos como o de ócio, lazer e tempo livre. Parece importante ressaltar que o conceito de subjetividade surge de forma mais clara a partir da modernidade e, como destaca Figueiredo (1994), deve sua aparição às grandes rupturas, ao final do século XV, e às intensificações das diversidades. Isso levou às tentativas de ordenação sob o domínio da razão e à construção do que se denomina sujeito moderno. No final do século XIX, esse 'sujeito moderno' começa a sofrer as primeiras descentrações que levam ao princípio da sua derrocada. Como acentua Figueiredo (1994), a percepção por parte dos homens de que não são tão livres nem singulares os leva a refletir sobre as causas e significados de tudo que pensam, fazem e sentem. Esse é também o momento da reconfiguração de uma série de conceitos que haviam sido construídos, ao longo desses quase quatro séculos, e o ressurgir de conceitos praticamente abandonados, foi assim com o tempo, o ócio e o lazer.

Para se compreender o ócio, é necessário recuperar algumas informações sobre aspectos relacionados à sua essência: o jogo (lúdico), a festa, a criatividade, a participação voluntária, a satisfação, a felicidade, o autodesenvolvimento, a integração solidária etc. É também interessante refletir sobre as possibilidades práticas de ócio: cultural, esportiva, recreativa, turística, a partir de sua concepção e valorização através do tempo.

Sugere-se , para a compreensão do ócio, uma leitura unificada de todas estas dimensões. Segundo Cuenca (2003), o caminho disciplinar não é o único meio de acesso ao conhecimento; sabe-se que as disciplinas acadêmicas que aparecem, hoje, como clássicas e tradicionais nas universidades e dentro do universo científico em um tempo passado não existiam como tais.

Os estudos sobre o ócio representam a afirmação de um modelo aberto com aproximações epistemológicas e metodológicas múltiplas baseadas em contínuas e diversas análises, métodos e recursos de diversas disciplinas que compartem seu objetivo de conhecimento sobre o ócio. No entanto, trata de esclarecer o que na interdisciplinaridade, que envolve o ócio, compete ao campo específico de cada disciplina, na explicação e compreensão do fenômeno (op. cit).

O ócio faz parte da reflexão específica das ciências sociais que se caracterizam por disciplinas não consensuais. Isso quer dizer que nunca se encontrará uma conceituação de ócio por meio de acordos entre investigadores.

Assim, uma das características dos estudos de ócio é a carência de consensos generalizados em suas abordagens básicas. No entendimento de Cuenca (2003), tal fato não representa um problema, quando se trata da reflexão teórica do ócio, que, por si, representa um objeto numa realidade complexa e mutável com vínculos no social, no subjetivo e no tradicional.

Atualmente, falar em ócio é algo complexo e nos remete a muitas possibilidades:

[...] Para uns o problema se reduz aos usos do tempo ou ocupação. Para outros vem a ser práticas de atividades não obrigatórias, desejadas e queridas. Outros, por fim, falam do ócio a partir dos parâmetros das cifras econômicas. Os jovens entendem que viver o ócio é um direito democrático, semelhante a outros cada vez mais utópicos, como é o direito ao trabalho. Um cidadão de um país desenvolvido não saberia viver sem televisão, esporte, cultura, viagens, música moderna ou férias. O século XX desenvolveu um novo tempo social centrado no ócio, cuja transcendência está ainda, por ser descoberta (Cuenca, 2003, p. 31).

Falar em ócio obriga a ressaltar sua importância social e econômica a partir de suas práticas, atividades e vivências. Da mesma forma, sobre a incidência que sua prática tem na destruição e construção de valores e comunidades. Certamente, deve-se estar consciente dos malefícios que uma política econômica centrada apenas no lucro da exploração de atividades consumistas e esvaziadas de valor, fruto da ausência de uma educação para utilização e escolha de ócios positivos, pode levar a práticas consideradas como "negativas" de ócio.

[...] Diante do mundo de evasão, distração espetáculo que nos rodeia, o ser humano se torna cada vez mais limitado, cada vez mais dependente das máquinas, menos ator e mais espectador de uma realidade irreal. Falar de ócio se transforma neste contexto, num questionamento de cada um consigo mesmo, de como ser um pouco mais livre para fazer o que se quer. (...) a vivência de ócio é uma experiência que nos ajuda a nos realizar, nos conhecer, nos identificar, nos sentir melhores, sair da rotina, fantasiar e recuperar o equilíbrio das frustrações e desenganos (Cuenca, 2003, p. 32).

O conceito de ócio atual revisa o que a produção européia resguarda a partir da experiência grega, ressaltando outras funções do ócio, como a libertadora, a criadora e a contestadora.

A partir da década de 80, os estudos de Roger Sue contribuem com a idéia de que, independente das teorias que possam existir, há uma série de funções que se manifestam como conseqüência da experiência de ócio.

Sue (em Cuenca, 2003) organiza as funções do ócio em três grupos: psicológicas, sociais e econômicas. No grupo das funções psicológicas, inclui as funções de desenvolvimento, diversão e descanso já tratadas em Dumazedier, compreendendo que tais funções atendem, parcialmente, à compensação das perdas humanas pelo trabalho, no entanto, possibilitam equilíbrio psicológico ao indivíduo. As funções sociais estariam relacionadas com a integração social, o simbolismo e a terapia.

Com relação à socialização, coloca que as condições de trabalho, na atualidade, a urbanização intensa e as novas formas de viver geraram um empobrecimento da comunicação interpessoal e, conseqüentemente, um isolamento que, no ócio, encontra um contraponto.

A função simbólica sinaliza que o ócio oferece a percepção de identidade, pertencimento a uma categoria social, além de uma afirmação pessoal com relação aos demais, através da escolha de atividades de diversão. A função terapêutica considera que o ócio oferece a possibilidade de contribuir para a manutenção da saúde física e mental.

Dentro do grupo das funções econômicas, ressalta a crescente observação de gastos pessoais, familiares com atividades de ócio, bem como a incidência do ócio na economia e vice-versa. Assim, Sue pergunta diante de toda a possibilidade que o ócio oferece: o que é o ócio? Consumo ou alienação?

Nas formas de divertimento moderno, o ócio está completamente colonizado pelo consumo, o que caracteriza uma experiência alienada. Por este motivo, a função econômica do ócio é ambígua. Os gastos ativam o sistema produtivo, mas as práticas que não implicam custo, não são amparadas pela política econômica (Sue em Cuenca, 2003).



Ócio: vivência humanista e experiência integral



Uma das relações mais observadas no fenômeno do ócio é atribuí-lo ao tempo. Para Cuenca (2003), o ócio jamais pode ser identificado com tempo, uma vez que o tempo, em si, não define a ação humana. A identificação que se produziu entre ócio e tempo livre é um produto dos estudos da sociologia, difundidos a partir da segunda metade do século XX e até os anos 80 do mesmo século. Tal fato dificultou a compreensão do ócio, por não incluir a percepção psicológica.

Apenas com o tempo livre não se pode falar do que seria uma experiência de ócio, o tempo constitui uma coordenada vital para qualquer ato humano, a expressão tempo livre se torna importante nesta relação, pela palavra livre que sugere relação com o exercício humano de identidade, reconhecimento, auto-reconhecimento e vontade. A partir destes enfoques psicológicos, o ócio vem sendo definido como "liberdade de escolha" (op. cit).

Desta forma, o tempo e a atividade em si não podem determinar uma experiência de ócio. A ação é uma referência que, com a percepção de quem a realiza, pode ou não ser uma vivência de ócio.

[...] a vivência humanista do ócio é ou deveria ser uma experiência integral e relacionada com o sentido da vida e os valores de cada um. Isso pode ocorrer graças à formação. A pessoa formada é capaz de converter cada experiência de ócio numa experiência de encontro. Cada encontro é uma re-criação que proporciona vontade de viver (Kriekemanns em Cuenca, 2003 p. 63).

Infere-se, então, que a vivência de ócio possibilita contextos experienciais que podem ser âmbitos para a recriação ou não. Porém, o ócio humanista se diferencia de outras vivências por sua capacidade de sentido e potencialidade de encontros criativos que levam ao desenvolvimento pessoal.

Na conjuntura atual, compreender o ócio como um valor torna-se difícil sem um processo de informação. Desta forma, a compreensão do ócio humanista não é algo que se desenvolve sozinho, tratando-se, pois, de uma vivência que se desenvolve pela aquisição de conhecimentos. Quanto mais informação sobre o ócio e seus valores para a pessoa e para a sociedade, mais capacidade de compreendê-lo, buscá-lo e vivê-lo.

O pensamento sobre ócio humanista encontra-se refletido no pensamento dos anos 1990. Como reflexo desse pensamento, citam-se as declarações mundiais realizadas pela World Leisure and Recreacion Association (WLRA), como a Declaração de Educação para o Ócio e a Declaração de São Paulo de 1998. Nestas referencias, o ócio se define como um direito do ser humano, área específica da experiência, âmbito da liberdade, recurso do desenvolvimento pessoal e social, fonte de saúde e bem-estar (Cuenca, 2003, p. 70).

O ócio como experiência humana está relacionado a valores e significados profundos, apenas assim pode o ócio ter sentido enquanto experiência significativa positiva, fonte de desenvolvimento e prevenção à ociosidade negativa, ou ócios nocivos.

É possível distinguir uma experiência comum e a verdadeira experiência. Dewey (1949, em Cuenca, 2003) acrescenta que a experiência comum se relaciona com qualquer ação da vida; trata-se de um fato que se toma como corrente, banal.

A experiência de viver está repleta de experiências. Por outro lado, algumas experiências fogem dessa percepção cotidiana e vulgar pelo sentido da subjetividade envolvida, escolha desejada, encontro permitido. Esses detalhes mudam todo o sentido da experiência e estas provocam transformações em quem as vivencia, estas são as experiências chamadas verdadeiras.

Csikszentmihalyi (1998 em Cuenca, 2003), pesquisador da Universidade de Chicago, em suas pesquisas, chama a este mesmo fenômeno de "experiência ótima", acrescentando que, quando uma pessoa passa por uma vivência como essa, uma das metas centrais do self será seguir experimentando-a ou voltar a buscar outras semelhantes, convertendo-a em uma influência tão significa quanto a cultura ou a genética.



Reflexões finais



A evolução dos tempos nos leva a muitas possibilidades de compreensão do ócio. Entre tempo voltado para o restabelecimento da força e as várias experiências possíveis na compreensão multidisciplinar de Cuenca, o ócio reaparece como estudo importante, representando um pensamento alinhado ao desejo do sujeito contemporâneo, um ser exausto de consumir sem um sentido seu, levado pela mídia, pela moda, pelos outros, para o material.



Encontramo-nos entre movimentos atuais como o "Slow Food" no âmbito internacional e a "Simplicidade voluntária" no Brasil, em que as pessoas questionam suas opções e travam lutas de cunho ecológico em prol de "um tempo mais tranqüilo", na busca de um tempo para si, novos hábitos, novas formas de consumir etc. Essa idéia de tempo substitui a lógica linear e cronológica e abre espaço para a compreensão da duração, que é plural.

A centralidade do tempo contemporâneo, ainda no tempo de trabalho, dá vez a um sujeito longe de sua liberdade, criação e desejo, convocando a continuidade da atenção em um tempo a ser conquistado para a expressão das subjetividades contemporâneas diluídas em tempos de vazio.



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Notas



1. A sociologia do tempo, tal como discorre Pronovost (1996), é compreendida como um campo de estudos da sociologia que visa ao estudo da estruturação do tempo nas sociedades, tomando-o como referente de organização social e não apenas como dimensão onipresente.

2. O tempo de "nada fazer", expresso neste texto, representa, na compreensão dos autores, o tempo verdadeiramente livre que se pode dispor. Neste tempo, o sujeito experimenta a sensação de vivenciá-lo sem nenhum tipo de pressão ou compromisso com produtividade. É um tempo de compromisso consigo mesmo, pleno de autocondicionamento.

3. Em linhas gerais, Dumazedier, em sua elaboração sobre o que é lazer, o coloca como âmbito do Descanso, da Diversão e do Desenvolvimento num tempo liberado de obrigações, daí a relação a 3 "D's".



Fonte:

Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.7 n.2 Fortaleza set. 2007