domingo, 31 de julho de 2011
TRABALHAR, EU NÃO...
Este samba fez sucesso em... 1946.
É de autoria de ALMEIDINHA, como era chamado ANÍBAL ALVES, compositor e instrumentista, que nasceu em Petrópolis RJ em 01/9/1913 e trabalhou como artista de circo, teatro e cinema, diretor de produções da Atlântida Cinematográfica e proprietário da agência Almeidinha Produções e Promoções Artísticas.
Tocou diversos instrumentos de percussão e sua primeira música composta foi justamente este, gravado por de Joel de Almeida.
Se quiser ouvi-lo, siga o link. Mas, antes, se não for pedir muito à sua preguiça, leia a letra abaixo.
http://cifrantiga2.blogspot.com/2008/01/trabalhar-eu-no.html
Trabalhar, eu não
Quem quiser suba o morro
Venha apreciar a nossa união
Trabalho, não tenho nada
De fome não morro não
Trabalhar, eu não, eu não !
(bis)
Eu trabalhei como um louco
Até fiz calo na mão
O meu patrão ficou rico
E eu, pobre sem tostão
Foi por isso que agora
Eu mudei de opinião
Trabalhar, eu não, eu não !
Trabalhar, eu não, eu não !
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sábado, 30 de julho de 2011
A ARTE DE FICAR À TOA
(John William Godward - the quiet pet, detalhe)
Sérgio Augusto - O Estado de S.Paulo,/30/7/2011
Por que o prazer da lentidão desapareceu?, pergunta-se Milan Kundera na abertura de sua primeira narrativa escrita diretamente em francês, et pour cause intitulada A Lentidão, que a Companhia das Letras acaba de reeditar. Perdeu-se o hábito de curtir a lentidão neste mundo cada vez mais movido pela pressa e pelo pragmatismo, lamenta o escritor checo, saudoso dos flâneurs de antanho, dos "heróis preguiçosos das canções populares" e dos "românticos vagabundos que dormiam sob as estrelas", criaturas da ociosidade quando esta ainda não era vista, única e exclusivamente, como sinônimo de desocupação estéril e parasitária.
Peguei para ler o livrinho de Kundera no embalo de um ciclo de palestras sobre o mais potente combustível da ociosidade: a preguiça. Magnífico tema, na contramão das rotineiras sociologorreias sobre o seu oposto, o trabalho, e também do falso bom senso moral, econômico e religioso que a condenaram como mero vício, ofensa a Deus e entrave ao progresso, pois todos os 23 palestrantes não irão apenas indultar a preguiça (do latim pigritia, cuja raiz é piger, lento), mas sobretudo exaltá-la, valorizando a figura dos ociosos espiritualmente produtivos. Ficar à toa é uma arte. O ciclo, que começa no próximo dia 11, faz parte da série Mutações, criada e orientada pelo professor Adauto Novaes.
São os ociosos que transformam o mundo, escreveu Camus, "porque os outros não têm tempo algum". Nem sequer para perceber as contradições e as consequências físicas e psíquicas da faina incessante e refletir sobre elas, lenta e profundamente. Os ociosos transformam o mundo criando e meditando. Usar a inteligência sem finalidade lucrativa, não submeter o ócio ao negócio, retirar-se da pressa e das agitações mundanas para poder refletir melhor, este é o trabalho dos ociosos, permanente e sem fim. "A primeira prova de uma inteligência ordenada", prescreveu Sêneca, "é poder parar e aquietar-se consigo mesmo", entregar-se, na formulação de Montaigne, ao "fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz", como ele, Sêneca e tantos outros (Rousseau, Thoreau) fizeram.
Além de Macunaíma, a palavra preguiça sempre me evoca o pernambucano Ascenso Ferreira ("Na hora de dormir, dormir; na hora de comer, comer; na hora de vadiar, vadiar; na hora de trabalhar, pernas pro ar que ninguém é de ferro"), o gaúcho Mario Quintana (que fez da pachorra um "método de trabalho"), a modinha De Papo Pro Ar, e, em outro plano, Paul Lafargue, Bertrand Russell e aquele mimético episódio de Godard em Os Sete Pecados Capitais, com Eddie Constantine com preguiça de até dar laço no sapato. E, de uns tempos para cá, a revista The Idler (O ocioso), editada por Tom Hodgkinson, que, confesso, não leio por pura preguiça.
Lafargue, genro de Marx, escreveu há 123 anos a mais conhecida defesa do far-niente, O Direito à Preguiça, que é sobretudo uma crítica arrasadora à "perversão" das classes operárias pelo "dogma do trabalho" complotado pela Igreja e a nobreza - e legitimado pela lógica da produção capitalista e pela retórica domesticante do comunismo. Os antigos gregos desprezavam o trabalho (atribuição exclusiva dos escravos) e gastavam seu tempo com exercícios físicos, jogos de inteligência e o que chamavam de ataraxia: a vida contemplativa. A escravidão, ao estilo antigo, acabou, mas ressurgiu com novas feições. "Quem não tem dois terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito." Assim falou Nietzsche, que só foi escravo de sua loucura.
Platão e Aristóteles achavam que trabalhar esgota o físico, faz mal à saúde, degrada a alma e impede o homem de servir ao espírito, ao corpo e à polis. A moral cristã estragou tudo, santificando o batente ("ganharás o pão com o suor do seu rosto") e transformando a preguiça em pecado capital. Embora Jesus tenha louvado o ócio, no sermão da montanha ("olhai os lírios no campo", etc.), e o Todo-poderoso parado para descansar no sétimo dia, e por toda a eternidade, a Igreja, ressalta Lafargue, pregou, astuciosamente, a ideia de que trabalhar é um castigo imposto pela justiça divina a Adão e Eva e sua infinita prole, para que não lhes sobrasse tempo livre para pensar em besteiras, como, por exemplo, questionar o clichê de que o trabalho só enobrece o homem.
Os nazistas pegaram carona nessa pregação, afixando à entrada de seus campos de extermínio este cínico bordão "Arbeit Macht Frei" (O trabalho liberta). Tão logo o Reich se estrepou, um sambista carioca chamado Almeidinha usou seu ócio para compor um dos maiores sucessos do carnaval de 1946, mais que um samba, um desabafo contra a ergolatria imposta pelo recém-derrubado Estado Novo: "Trabalhar, eu não, eu não!".
Russell fez seu "elogio ao lazer" (ou ao ócio) na mesma sintonia de Camus ("sem a classe ociosa, a humanidade jamais teria saído da barbárie") e Lafargue (para manter os pobres satisfeitos, os ricos enalteceram, por milhares de anos, a dignidade do trabalho, "embora pouco se importando de continuar indignos nesse sentido"), e defendeu a redução da jornada de trabalho para quatro horas, mas sem recomendar que o tempo restante fosse desperdiçado com "pura frivolidade". Trabalhando menos e aproveitando melhor o tempo, teríamos uma vida menos monótona e estressante, seríamos mais alegres e felizes. Como se ainda (ou já) estivéssemos no Paraíso.
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domingo, 24 de julho de 2011
DE PAPO PRO AR
A música é de Joubert de Carvalho, letra de Olegário Mariano: acho que a gravação original é de Augusto Calheiros. Muitos a gravaram: Maria Bethania, Ney Matogrosso, Pena Branca e Xavantinho...
Para embalar um domingo de frio... com muita, muita preguiça.
DE PAPO PRO AR
(Joubert de Carvalho / Olegário Mariano)
Não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tem um peixe bom
Tem siri patola
De dá com o pé
Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade
Me atormentá
Eu me vingo dela
Tocando viola
De papo pro ar
Se ganho na feira
Feijão, rapadura,
Pra que trabalhar
Eu gosto do rancho
O homem não deve
Se amofinar
(Ah, sim: não ia pensar que eu postaria o vídeo, não é? Então... deixa de preguiça e procura a música do Youtube. Vale a pena...)
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