sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

LER, PREGUIÇOSAMENTE... MAS LER SEMPRE!




Neste verão, numa praia - deserta -, um bom livro cuja leitura flua devagar, sem pressa, ao sabor das ondas do mar: pode ser o paraíso. E, no paraíso, não há pecado. Assim como não há pecado no lado de baixo do equador. Então, que tal? Ler assim, desassossegadamente...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

SALVE A PREGUIÇA MEU PAI, DE MÁRIO LAGO



Com meus pés, não vou
Venha me buscar
Mas só vou de colo
Pra não me cansar
O meu passo faz caminho
Mas se alguém não se agradou
Pra mudar vai dar trabalho
Com meus pés, não vou
Espinho não me amedronta
Nem pedra vai me assustar
Quem quer que eu saia da estrada
Venha me buscar
Com meus pés, não vou
Venha me buscar
Mas só vou de colo
Pra não me cansar
Oi, com meus pés não vou
Venha me buscar
Mas só vou de colo
Pra não me cansar
Com tristeza não me abalo
Com ameaça não me amolo
Pra brigar não tenho força
Mas só vou de colo
Quem quer, caminhe comigo
Vai ver que é bom de se andar
Quem não quiser me carregue
Pra eu não me cansar
(Salve a preguiça, meu pai
A preguiça é nossa
Já o português dizia que
O índio era preguiçoso
Porque não queria trabalhar pra ele
E se metia no meio do mato
Salve a preguiça, meu pai!)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

UM DIA, UM GATO

(Le sommeil: Segal de Creismeas)





Dentre todos os felinos, o gato... preguiçoso, vadio, completamente descolado de qualquer ligação mais profunda com o ser humano. Nunca é servil. Nunca é “cachorro”. Serve-se, e muito bem, da atração e do gosto que as pessoas nutrem por ele. Por isso, ao gato, mais até do que bicho-preguiça, dedico este post de suprema preguiça, depois de tanto tempo hibernando.

domingo, 14 de agosto de 2011

FILOSOFIA







Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!


Ascenso Ferreira


Do livro: "Catimbó e outros poemas", José Olympio, 1965, RJ





quarta-feira, 10 de agosto de 2011

ELOGIO AO ÓCIO, Bertrand Russel








Como a maior parte das pessoas de minha geração, eu cresci ouvindo que o ócio é o pai de todos os vícios. Sendo uma criança bastante virtuosa, acreditava em tudo o que me diziam, e minha consciência tem me mantido trabalhando duro até hoje. Mas ainda que a minha consciência tenha controlado as minhas ações, minhas opiniões passaram por uma revolução. Penso que se trabalha demais atualmente, que danos imensos são causados pela crença de que o trabalho é uma virtude, e que nas modernas sociedades industriais devemos defender algo totalmente diferente do que sempre se apregoou. Todos conhecem a estória do viajante que em Nápoles viu doze indigentes deitados ao sol (isto foi antes de Mussolini), e ofereceu uma lira ao mais preguiçoso. Onze deles se levantaram para reivindicá-la, e então ele a deu para o décimo segundo. Foi uma decisão correta. Mas em países que não gozam do sol do Mediterrâneo o ócio é mais difícil, e uma grande campanha seria necessária para fazê-lo vingar. Espero que, depois de lerem as próximas páginas, os líderes da YMCA comecem uma campanha para convencer jovens de bom caráter a não fazer nada. Se isto acontecer, vinha vida não terá sido em vão.




Antes de avançar em minha argumentação a favor da preguiça, devo me desfazer de uma ideia que não posso aceitar. Sempre que uma pessoa que já tem o suficiente para viver dedica-se a um trabalho comum, como dar aulas ou datilografar, dizem que esta conduta tira o pão da boca de outras pessoas, e portanto ela é má. Se este argumento fosse válido, seria necessário somente que todos nós não fizéssemos nada para que todas as bocas tivessem pão à disposição. O que pessoas que dizem estas coisas esquecem é que o que um homem ganha ele geralmente gasta, e ao gastar gera empregos. Desde que um homem gaste a sua renda, ele coloca tanto pão na boca das pessoas ao gastar quanto tira ao ganhar. O verdadeiro vilão, deste ponto de vista, é o poupador. Se ele apenas junta o seu dinheiro, é óbvio que não gerará empregos. Se ele investe sua poupança, o caso é menos óbvio, e surgem casos diferentes.





Uma das coisas mais comuns que se faz com a poupança é emprestá-la a algum governo. Considerando-se o fato de que a maior parte das despesas públicas de quase todos os governos civilizados consiste nas dívidas das guerras passadas ou na preparação de guerras futuras, quem empresta seu dinheiro ao governo acha-se na mesma posição do vilão que aluga assassinos de Shakespeare. O resultado líquido de seus hábitos econômicos é aumentar as forças armadas do Estado ao qual ele empresta sua poupança. Obviamente, seria melhor gastar o dinheiro, mesmo que fosse com bebida ou no jogo. Mas devo dizer que o caso é bastante diferente quando a poupança é investida em empresas industriais. Quando estas empresas prosperam e produzem algo útil, isto pode ser admitido. Mas, atualmente, ninguém negará que a maioria das empresas estão falindo. Isto significa que uma grande quantidade de trabalho humano, que deveria ter sido devotado a produzir algo que pudesse ser aproveitado, foi gasto ao produzir máquinas que, quando produzidas, ficam ociosas e não beneficiam ninguém. Quem investe sua poupança em negócios fracassados está portanto prejudicando a outros tanto quanto a si mesmo. Se ele tivesse gasto o dinheiro, por exemplo, para fazer festas com seus amigos, eles (podemos esperar) teriam prazer, e também todos aqueles com os quais gastamos dinheiro, como o açougueiro, o padeiro e o fornecedor de bebidas. Mas se ele gasta a poupança (digamos) na construção de ferrovias em lugares onde trens não são desejáveis, ele desviou uma massa de trabalho para canais onde não traz benefícios a ninguém. No entanto, quando se torna pobre devido às falhas de seus investimentos será considerado uma vítima de desmerecida má sorte, enquanto o alegre esbanjador, que gastou o seu dinheiro filantropicamente, será menosprezado como uma pessoa tola e frívola.




Tudo isto é preliminar. Quero dizer, com toda a seriedade, que muitos males estão sendo causados ao mundo moderno pela crença na virtude do trabalho, e que o caminho para a felicidade e prosperidade está em uma diminuição organizada do trabalho.




Antes de mais nada: o que é trabalho? Há dois tipos de trabalho: o primeiro, alterar a posição de um corpo na ou próximo à superfície da Terra relativamente a outro corpo; o segundo, mandar outra pessoa fazê-lo. O primeiro tipo é desagradável e mal pago; o segundo é agradável e muito bem pago. O segundo tipo é capaz de extensão indefinida: há não somente aqueles que dão ordens, mas aqueles que dão conselhos sobre que ordens deveriam ser dadas. Geralmente dois tipos opostos de conselhos são dados simultaneamente por dois grupos organizados; a isto se chama política. A habilidade necessária a este tipo de trabalho não é conhecimento dos assuntos sobre os quais são dados conselhos, mas conhecimento da arte da fala e da escrita persuasiva, isto é, da propaganda.




Na Europa, mas não na América, há uma terceira classe de homens, mais respeitada do que qualquer uma das outras classes de trabalhadores. Há homens que, pela propriedade da terra, podem fazer outros pagarem pelo privilégio de poderem existir e trabalhar. Estes proprietários de terras são ociosos, e portanto se esperaria que eu os elogiasse. Infelizmente, a sua ociosidade se torna possível pelo trabalho de outros; de fato, seu desejo pelo ócio confortável é historicamente a fonte de todo evangelho do trabalho. A última coisa que eles desejariam é que outros seguissem o seu exemplo.




Desde o início da civilização até a Revolução Industrial, um homem podia, como regra geral, produzir com trabalho duro um pouco mais do que o necessário para a subsistência de si próprio e de sua família, ainda que sua mulher trabalhasse pelo menos tanto quanto ele, e seus filhos colaborem assim que tem idade suficiente. O pequeno excedente acima das necessidades básicas não era deixada para aqueles que o produziram, mas era apropriado por guerreiros e sacerdotes. Em tempos de fome não havia excedente; os guerreiros e sacerdotes, entretanto, ainda tinham tanto quanto em outros tempos, e como resultado muitos dos trabalhadores morriam de fome. Este sistema persistiu na Rússia até 1917, e ainda persiste no oriente; na Inglaterra, apesar da Revolução Industrial, ele sobreviveu com pleno vigor através das guerras napoleônicas, e até cem anos atrás, quando a nova classe de manufatureiros chegou ao poder. Na América, o sistema acabou com a revolução, exceto no sul, onde ele persistiu até a Guerra Civil. Um sistema que durou por tanto tempo e acabou tão recentemente naturalmente deixou impressões profundas nas opiniões e mentes dos homens. Muito do que tomamos por certo sobre a desejabilidade do trabalho é derivado deste sistema, que, sendo pré-industrial, não se adequa ao mundo moderno. A técnica moderna tornou possível que o lazer, dentro de certos limites, não seja uma prerrogativa de uma pequena classe privilegiada, mas um direito distribuído equanimemente pela comunidade. A moral do trabalho é a moral de escravos, e o mundo moderno não precisa da escravidão.








É óbvio que, nas comunidade primitivas, os camponeses, se dependesse de sua vontade, não entregariam o pequeno excedente para a subsistência de guerreiros e sacerdotes, mas teriam produzido menos ou consumido mais. No início, eles eram forçados a produzir mais e entregar o excedente. Gradualmente, entretanto, descobriu-se que era possível induzir muitos deles a aceitar uma ética segundo a qual era sua obrigação trabalhar duro, ainda que parte de seu trabalho fosse para sustentar o ócio de outros. Deste modo, diminuíram a necessidade de coerção e as despesas do governo. Ainda hoje, 99 por cento dos assalariados britânicos ficariam genuinamente chocados se lhes fosse dito que o rei não deveria ter uma renda maior do que a de um trabalhador. A concepção do dever, historicamente falando, foi um meio usado pelos donos do poder para induzir outros a viver pelos interesses de seus senhores e não pelos seus próprios. Claro que os donos do poder escondem isto de si mesmos ao acreditar que seus interesses coincidem com os interesses maiores da humanidade. Às vezes isto é verdade; donos de escravos atenienses, por exemplo, empregaram parte de seu lazer dando contribuições permanentes à civilização que teriam sido impossíveis sob um sistema econômico justo. O lazer é essencial à civilização, e em outros tempos o lazer para uns poucos somente era possível pelo trabalho de muitos. Mas seu trabalho era valioso não porque o trabalho seja bom, mas porque o lazer é bom. E com a técnica moderna seria possível distribuir o lazer de forma justa, sem prejuízos à civilização. A técnica moderna tornou possível diminuir enormemente a quantidade de trabalho necessário para assegurar as necessidades vitais para todos. Isto se tornou óbvio durante a Primeira Guerra Mundial. Naquele tempo todos os homens nas forças armadas, e todos os homens e mulheres envolvidos na produção de munição, e todos os homens e mulheres envolvidos com espionagem, propaganda de guerra ou escritórios governamentais relacionados com a guerra foram tirados de ocupações produtivas. Apesar disto, o nível geral de bem-estar entre assalariados não-qualificados do lado dos aliados era mais alto do que antes ou mesmo depois da Guerra. O significado deste fato era escondido pelas finanças: empréstimos fizeram parecer que o futuro estava nutrindo o presente. Mas isto, é claro, seria impossível; um homem não pode comer um pão que não existe. A guerra mostrou conclusivamente que, através da organização científica da produção, é possível manter as populações modernas em razoável conforto com uma pequena parte da capacidade de trabalho do mundo moderno. Se, ao final da guerra, a organização científica que foi criada para liberar homens para as guerras e produção de munição fosse preservada, e as jornada de trabalho fosse reduzida para quatro horas, tudo teria ficado bem. Aos invés disto, o antigo caos foi restaurado, aqueles cujo trabalho era necessário voltaram às longas horas de trabalho, e o restante foi deixado à míngua no desemprego. Por quê? Porque o trabalho é um dever, e um homem não deveria receber salários proporcionalmente ao que produz, mas proporcionalmente à virtude demonstrada em seu esforço.








Esta é a moral do Estado escravista, aplicada em circunstâncias totalmente diferentes daqueles na qual surgiu. Não é surpresa que o resultado tenha sido desastroso. Façamos uma ilustração. Suponha-se que em um dado momento um certo número de pessoas estejam envolvidas na produção de alfinetes. Elas fazem tantos alfinetes quanto o mundo precisa, trabalhando (digamos) oito horas por dia. Alguém faz uma invenção através da qual o mesmo número de pessoas pode fazer duas vezes o número original de alfinetes. Mas o mundo não precisa mais de alfinetes, dificilmente algum seria comprado por um preço menor. Em um mundo sensato, todos os envolvidos na fabricação de alfinetes passariam a trabalhar quatro horas ao invés de oito, e tudo continuaria como antes. Mas no mundo real, isto seria considerado desmoralizante. Os homens ainda trabalham oito horas, há excesso de alfinetes, alguns empregadores quebram, e metade dos homens previamente ocupados em fabricar alfinetes são despedidos. Há, ao final, exatamente a mesma quantidade de lazer do outro plano, mas a metade dos homens fica totalmente ociosa enquanto a outra metade ainda está sobrecarregada. Deste modo, é assegurado que o lazer inevitável deva causar miséria no mundo inteiro ao invés de ser uma fonte universal de felicidade. Pode ser imaginado algo mais insano?








A idéia de que os pobres devam ter lazer sempre foi chocante para os ricos. Na Inglaterra, no início do século dezenove, quinze horas era a jornada comum para um homem; algumas vezes crianças trabalhavam tanto quanto, e muito comumente trabalhavam doze horas por dia. Quando alguns intrometidos sugeriram que talvez estas horas fossem exageradas, foi-lhes dito que o trabalho afastava os adultos da bebida e as crianças da marginalidade. Quando eu era criança, pouco depois de os trabalhadores urbanos conquistarem o direito ao voto, certos feriados foram estabelecido por lei, para a grande indignação das classes superiores. Lembro ter ouvido uma velha duquesa dizer: "O que os pobres querem com feriados? Eles têm que trabalhar". Hoje em dia as pessoas não são tão francas, mas o sentimento persiste, e é a fonte de boa parte de nossa confusão econômica.






Vamos, por um momento, considerar a ética do trabalho francamente, sem superstição. Todo ser humano, por necessidade, consome, durante sua vida, uma certa quantidade de produtos do trabalho humano. Assumindo, como podemos, que o trabalho é como um todo desagradável, é injusto que um homem consuma mais do que produza. Claro que ele pode fornecer outros serviços que não commodities, como um médico, por exemplo; mas ele deveria fornecer algo em troca de seu sustento. Até este ponto, o dever do trabalho deve ser admitido, mas somente até este ponto.










Não pretendo insistir no fato de que, em todas as sociedades fora da URSS, muitas pessoas escaparam mesmo desta quantidade mínima de trabalho, a saber aqueles que herdam dinheiro e todos aqueles que se casam por dinheiro. Não penso que o fato de a estas pessoas ser permitido ser ociosas seja tão perigoso quanto o fato de que se exija dos assalariados a escolha entre a sobrecarga e a privação.








Se o trabalhador comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria o suficiente para todos e não haveria desemprego - assumindo um moderado senso de organização. Essa idéia choca os abastados, porque eles estão convencidos de que os pobres não saberiam como usar tanto lazer. Nos Estados Unidos, os homens frequentemente trabalham longas horas mesmo quando estão bem financeiramente; tais homens, naturalmente, se indignam com a idéia do lazer para assalariados, exceto na forma do cruel castigo do desemprego; de fato, eles não gostam de lazer nem mesmo para seus filhos. Estranhamente, enquanto querem que seus filhos trabalhem tão duro que não tenham tempo para serem civilizados, eles não se importam que suas esposas e filhas não tenham absolutamente nenhum trabalho. A inutilidade esnobe, que em uma sociedade aristocrática se estende a ambos os sexos, é, sob uma plutocracia, confinada às mulheres; isto, entretanto, não a torna mais sensata.








O uso sábio do lazer, deve-se conceder, é produto de civilização e educação. Um homem que tenha trabalhado longas horas a vida inteira fica entediado se se torna subitamente ocioso. Mas sem considerável quantidade de lazer um homem é privado de muitas das melhores coisas. Não há mais nenhuma razão para que a maior parte da população sofra dessa privação; somente um ascetismo tolo, geralmente paroquiano, nos faz continuar a insistir em excessivas quantidades de trabalho agora que não há mais necessidade.








No novo credo que controla o governo da Rússia, ainda que haja muitas diferenças com os ensinamentos tradicionais do ocidente, há algumas coisas que são bastante inalteradas. A atitude das classes governantes, e especialmente daquelas que conduzem a propaganda educacional, sobre a dignidade do trabalho, é quase exatamente o que as classes governantes do mundo sempre tem defendido para o que eles chamaram de "pobres honestos". Trabalho duro, sobriedade, força de vontade para trabalhar longas horas por vantagens pequenas, e mesmo submissão à autoridade, tudo isto reaparece; além disso, a autoridade ainda representa a vontade do Juiz do Universo, que, entretanto, é agora chamado por um novo nome, Materialismo Dialético.








A vitória do proletariado na Rússia tem alguns pontos em comum com a vitória das feministas em alguns outros países. Por séculos os homens concederam a santidade superiror às mulheres, e as consolou for sua inferioridade arguindo que a santidade é mais desejável do que o poder. Finalmente as feministas decidiram que elas teriam ambos, uma vez que as pioneiras entre elas acreditavam em tudo que os homens lhe falavam sobre a desejabilidade da virtude, mas não o que eles lhes falaram sobre a falta de valor do poder político. Algo similar aconteceu na Rússia em relação ao trabalho manual. Por séculos, os ricos e seus sicofantas escreveram elogios ao "trabalho duro honesto", elogiaram a vida simples, professaram a religião que ensina que os pobres têm muito mais chances de ir para o céu do que os ricos, e em geral tentaram fazer trabalhadores manuais acreditar que há uma nobreza especial em alterar-se a posição de corpos no espaço, da mesma forma que os homens tentaram fazer as mulheres acreditarem que elas extraíam uma nobreza especial de sua escravatura sexual. Na Rússia, todos estes ensinamentos sobre o trabalho manual foram levados a sério, com o resultado de que o trabalhador manual é mais honrado do que qualquer outro. Ou seja, em essência, são feitos apelos revivalistas, mas não para os velhos propósitos: eles são feitos para assegurar trabalhadores brutos para tarefas especiais. O trabalho manual é o ideal que é mantido perante os jovens, e é a base de todo ensinamento ético.








No presente, possivelmente, isto é para o bem. Um país grande, cheio de recursos naturais, aguarda desenvolvimento, e tem que ser desenvolvido com muito pouco uso de crédito. Nestas circunstâncias, o trabalho duro é necessário, e provavelmente traga uma grande recompensa. Mas o que acontecerá quando chegarmos ao ponto em que todos possam viver confortavelmente sem trabalhar longas horas?








No ocidente, temos várias maneiras de lidar com este problema. Não tentamos fazer justiça econômica, de forma que uma grande proporção da produção total vai para uma pequena minoria da população, e boa parte dela simplesmente não trabalha. Devido à ausência de qualquer controle central sobre a produção, produzimos grande quantidade de coisas que não precisamos. Mantemos uma grande percentagem da população trabalhadora ociosa, porque podemos dispensar seu trabalho dando sobretrabalho a outros. Quando todos estes métodos se provarem inadequados, temos a guerra: colocamos muitas pessoas a fabricar explosivos, e muitas outras para explodi-los, como se fôssemos crianças que recém descobriram os fogos de artifício. Combinando estes mecanismos, somos capazes, com dificuldade, de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual intenso é o quinhão inevitável do homem comum.








Na Rússia, devido à maior justiça econômica e ao controle central sobre a produção, o problema terá que ser resolvido de forma diferente. A solução racional seria, tão logo as necessidades e confortos elementares possam ser fornecidos a todos, reduzir as horas de trabalho gradualmente, permitindo o voto popular para decidir, a cada estágio, se mais lazer ou mais bens seriam preferíveis. Mas, tendo ensinado a virtude suprema do trabalho duro, é difícil vislumbrar como as autoridades poderiam apontar para o paraíso no qual haverá muito lazer e pouco trabalho. Parece mais provável que eles continuamente achem sistemas novos, pelos quais apresentem que o lazer deve ser sacrificado pela produtividade futura. Eu li recentemente sobre um plano engenhoso elaborado por engenheiros russos, para aquecer o Mar Branco e a costa do norte da Sibéria, colocando uma barragem no Mar Kara. Um projeto admirável, mas sujeito a adiar o conforto dos proletários por uma geração, enquanto a nobreza do trabalho duro é posto em evidência no meio das geleiras e nevascas do Oceano Ártico. Este tipo de coisa, se acontecer, será o resultado de considerar a virtude do trabalho duro como um fim em si mesmo, ao invés de um meio para um estado de coisas no qual ele não é mais necessário.








O fato é que mudar corpos de lugar, ainda que em certa quantidade seja necessário à nossa existência, não é, em absoluto, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos que considerar todo operador de britadeira superior a Shakespeare. Temos sido enganados neste aspecto por duas razões. Uma é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos, for milhares de anos, a defender a dignidade do trabalho, enquanto cuidavam eles mesmos de se manterem indignos a este respeito. A outra é o novo prazer no maquinismo, que nos delicia com as espantosas transformações que podemos causar na superfície da Terra. Nenhum destes motivos tem grande apelo ao trabalhador real. Se se pergunta a ele qual ele acha a melhor parte de sua vida, não é provável que ele diga: "Eu gosto do trabalho manual porque ele me faz sentir que estou fazendo a tarefa mais nobre do homem, e porque eu gosto de pensar o quanto o homem pode transformar o planeta. É verdade que o meu corpo necessita de períodos de descanso, que devo preencher da melhor forma possível, mas eu nunca fico tão feliz quanto quando chega a manhã e eu posso retornar ao trabalho duro do qual provém o meu contentamento". Eu nunca ouvi trabalhadores dizerem esse tipo de coisa. Eles consideram o trabalho como ele deve ser considerado, um meio necessário à sobrevivência, e é de seu lazer que eles obtêm qualquer felicidade que possam ter.








Há quem diga que, enquanto um pouco de lazer é prazeroso, os homens não saberiam como preencher seus dias se tivessem somente quatro horas de trabalho nas suas vinte e quatro horas do dia. Considerar isso uma verdade no mundo moderno é uma condenação de nossa civilização; as coisas nunca foram assim. Havia anteriormente uma capacidade de despreocupação e divertimento que foi de certo modo inibido pelo culto à eficiência. O homem moderno pensa que tudo deve ser feito pelo bem de alguma outra coisa, e nunca por seu próprio bem. Pessoas sisudas, por exemplo, continuamente condenam o hábito de ir ao cinema, e nos dizem que isto leva a juventude ao crime. Mas todo o trabalho que se tem para fazer cinema é respeitável, porque é trabalho, e porque traz uma recompensa em dinheiro. A noção de que as atividades desejáveis são aquelas que trazem lucro é uma inversão da ordem das coisas. O açougueiro que lhe fornece carne e o padeiro que lhe fornece pão são dignos de louvor, porque estão ganhando dinheiro; mas quando se saboreia a comida que eles forneceram, se é frívolo, a não ser que se coma somente para ficar forte para o seu trabalho. Falando de maneira geral, diz-se que ganhar dinheiro é bom e gastar dinheiro é ruim. Vendo que são dois lado de uma transação, isto é absurdo; poderia se dizer que chaves são boas, mas fechaduras são ruins. Qualquer mérito que haja na produção de bens deve ser inteiramente retirado da vantagem a ser obtida consumindo-os. O indivíduo, em nossa sociedade, trabalha pelo lucro; mas a finalidade social do trabalho se baseia no consumo do que ele produz. É esse divórcio entre o indivíduo e a finalidade social da produção que torna tão difícil aos homens pensar claramente em um mundo no qual fazer lucro é o incentivo da indústria. Pensamos demais na produção, e de menos no consumo. Um resultado é que atribuímos muito pouca importância ao divertimento e à simples felicidade, e que não julgamos a produção pelo prazer que ela proporciona ao consumidor.








Quando sugiro que a jornada de trabalho deveria ser reduzida para quatro horas, não quero dizer que todo o tempo restante deveria necessariamente ser gasto em frivolidade pura. Quero dizer que um dia de trabalho de quatro horas deveria ser suficiente para as necessidades e confortos elementares da vida, e que o resto de seu tempo deveria ser seu para usá-lo como achasse conveniente. É uma parte essencial em qualquer sistema social que a educação deva ser levada além do que normalmente é no presente e deveria ter por objetivo, em parte, prover o que iria tornar um homem apto a usar o lazer inteligentemente. Não estou pensando aqui no tipo de coisa que seria considerada "intelectualizada". Danças camponesas desapareceram exceto em remotas áreas rurais, mas os impulsos que levaram ao seu cultivo ainda devem existir na natureza humana. Os prazeres das populações urbanas se tornaram na maior parte passivos: ver filmes no cinema, assistir jogos de futebol, escutar rádio, e assim por diante. Isto resulta do fato de que suas energias ativas são totalmente gastas com o trabalho; se tivessem mais lazer, iriam aproveitar novamente os prazeres nos quais têm um papel ativo.
No passado havia uma pequena classe ociosa e uma grande classe trabalhadora. A classe ociosa desfrutava de vantagens para as quais não havia base em justiça social; isto necessariamente as fez opressivas, limitou sua simpatia, e levou à invenção de teorias para justificar seus privilégios. Isto fez diminuir enormemente a sua excelência, mas apesar disto elas contribuíram com quase tudo do que chamamos de civilização. Ela cultivou as artes e descobriu as ciências; escreveu os livros, inventou as filosofias, e refinou as relações sociais. Mesmo a libertação dos oprimidos foi geralmente iniciada de cima. Sem a classe ociosa, a humanidade nunca teria emergido da barbárie.








O método da classe ociosa sem deveres, entretanto, gerou enormes desperdícios. Nenhum de seus membros tinha que aprender a ser trabalhador, e a classe como um todo não era excepcionalmente inteligente. A classe podia produzir um Darwin, mas a ele se opunham dezenas de milhares de proprietários rurais que nunca pensavam em nada mais inteligente do que caçar à raposa e punir invasores de propriedades. No presente, espera-se que as universidades forneçam, de forma mais sistemática, o que a classe ociosa fornecia acidentalmente e como um subproduto. Isto é um grande avanço, mas tem certas desvantagens. A vida universitária é tão diferente da vida do mundo exterior que os homens que vivem no meio acadêmico tendem a ficar alheios das preocupações e problemas de homens e mulheres comuns; além disso, suas formas de se expressar é geralmente tal que rouba de suas opiniões a influência que elas deveriam ter no público em geral. Outra desvantagem é que nas universidades os estudos são organizados, e o homem que pensa sobre alguma pesquisa original provavelmente será desencorajado. As instituições acadêmicas, portanto, úteis como são, não são guardiãs adequadas para os interesses da civilização em um mundo onde todos fora de seus muros estão ocupados demais para objetivos não-utilitários.








Em um mundo em que ninguém seja compelido a trabalhar mais do que quatro horas por dia, todas as pessoas que possuíssem curiosidade científica seriam capazes de satisfazê-la, e todo pintor seria capaz de pintar sem passar por privações, qualquer que seja a qualidade de suas pinturas. Jovens escritores não precisarão procurar a independência econômica indispensável às grandes obras, para as quais, quando a hora finalmente chega, terão perdido o gosto e a capacidade. Homens que, em seu trabalho profissional, tenham se interessado em alguma fase da economia ou governo, serão capazes de desenvolver suas ideias sem a distância acadêmica que faz o trabalho de economistas universitários frequentemente parecer fora da realidade. Médicos terão tempo para aprender sobre o progresso da medicina, professores não estarão lutando exasperadamente para ensinar por métodos rotineiros coisas que aprenderam na juventude, que podem, no intervalo, terem se revelado falsas.








Acima de tudo, haverá felicidade e alegria de viver, ao invés de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão. O trabalho exigido será suficiente para tornar o lazer agradável, mas não suficiente para causar exaustão. Uma vez que os homens não ficarão cansados em seu tempo livre, eles não exigirão somente diversões passivas e monótonas. Ao menos um por cento provavelmente devotará o tempo não gasto no trabalho profissional para objetivos de alguma importância pública e, como não dependerão destes objetivos para viver, sua originalidade não será tolhida, e não haverá necessidade de adaptar-se aos padrões estabelecidos pelos velhos mestres.








Mas não é somente nestes casos excepcionais que as vantagens do lazer aparecerão. Homens e mulheres comuns, tendo a oportunidade de uma vida feliz, se tornarão mais gentis, menos persecutórios e menos inclinados a ver os outros com desconfiança. O gosto pela guerra desaparecerá, parcialmente por esta razão, e parcialmente porque ele envolverá trabalho longo e severo para todos. A boa índole é, de todas as qualidades, a que o mundo mais precisa, e boa índole é o resultado de segurança e bem-estar, não de uma vida de árdua luta. Os métodos modernos de produção nos deram a possibilidade de bem-estar e segurança para todos; escolhemos, ao invés disso, ter sobretrabalho para alguns e privação para outros. Ainda somos tão energéticos quanto éramos antes do surgimento das máquinas; neste aspecto temos sido tolos, mas não há razão para continuarmos sendo tolos para sempre. Desde então, os membros do Partido Comunista conseguiram o privilégio dos guerreiros e sacerdotes.


1932


Traduzido por Daniel Cunha



domingo, 31 de julho de 2011

TRABALHAR, EU NÃO...


Este samba fez sucesso em... 1946.


É de autoria de ALMEIDINHA, como era chamado ANÍBAL ALVES, compositor e instrumentista, que nasceu em Petrópolis RJ em 01/9/1913 e trabalhou como artista de circo, teatro e cinema, diretor de produções da Atlântida Cinematográfica e proprietário da agência Almeidinha Produções e Promoções Artísticas.
Tocou diversos instrumentos de percussão e sua primeira música composta foi justamente este, gravado por de Joel de Almeida.


Se quiser ouvi-lo, siga o link. Mas, antes, se não for pedir muito à sua preguiça, leia a letra abaixo.


http://cifrantiga2.blogspot.com/2008/01/trabalhar-eu-no.html

Trabalhar, eu não




Quem quiser suba o morro
Venha apreciar a nossa união
Trabalho, não tenho nada
De fome não morro não
Trabalhar, eu não, eu não !


(bis)


Eu trabalhei como um louco
Até fiz calo na mão
O meu patrão ficou rico
E eu, pobre sem tostão
Foi por isso que agora
Eu mudei de opinião


Trabalhar, eu não, eu não !
Trabalhar, eu não, eu não !




sábado, 30 de julho de 2011

A ARTE DE FICAR À TOA


(John William Godward - the quiet pet, detalhe)

Sérgio Augusto - O Estado de S.Paulo,/30/7/2011

Por que o prazer da lentidão desapareceu?, pergunta-se Milan Kundera na abertura de sua primeira narrativa escrita diretamente em francês, et pour cause intitulada A Lentidão, que a Companhia das Letras acaba de reeditar. Perdeu-se o hábito de curtir a lentidão neste mundo cada vez mais movido pela pressa e pelo pragmatismo, lamenta o escritor checo, saudoso dos flâneurs de antanho, dos "heróis preguiçosos das canções populares" e dos "românticos vagabundos que dormiam sob as estrelas", criaturas da ociosidade quando esta ainda não era vista, única e exclusivamente, como sinônimo de desocupação estéril e parasitária.


Peguei para ler o livrinho de Kundera no embalo de um ciclo de palestras sobre o mais potente combustível da ociosidade: a preguiça. Magnífico tema, na contramão das rotineiras sociologorreias sobre o seu oposto, o trabalho, e também do falso bom senso moral, econômico e religioso que a condenaram como mero vício, ofensa a Deus e entrave ao progresso, pois todos os 23 palestrantes não irão apenas indultar a preguiça (do latim pigritia, cuja raiz é piger, lento), mas sobretudo exaltá-la, valorizando a figura dos ociosos espiritualmente produtivos. Ficar à toa é uma arte. O ciclo, que começa no próximo dia 11, faz parte da série Mutações, criada e orientada pelo professor Adauto Novaes.


São os ociosos que transformam o mundo, escreveu Camus, "porque os outros não têm tempo algum". Nem sequer para perceber as contradições e as consequências físicas e psíquicas da faina incessante e refletir sobre elas, lenta e profundamente. Os ociosos transformam o mundo criando e meditando. Usar a inteligência sem finalidade lucrativa, não submeter o ócio ao negócio, retirar-se da pressa e das agitações mundanas para poder refletir melhor, este é o trabalho dos ociosos, permanente e sem fim. "A primeira prova de uma inteligência ordenada", prescreveu Sêneca, "é poder parar e aquietar-se consigo mesmo", entregar-se, na formulação de Montaigne, ao "fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz", como ele, Sêneca e tantos outros (Rousseau, Thoreau) fizeram.


Além de Macunaíma, a palavra preguiça sempre me evoca o pernambucano Ascenso Ferreira ("Na hora de dormir, dormir; na hora de comer, comer; na hora de vadiar, vadiar; na hora de trabalhar, pernas pro ar que ninguém é de ferro"), o gaúcho Mario Quintana (que fez da pachorra um "método de trabalho"), a modinha De Papo Pro Ar, e, em outro plano, Paul Lafargue, Bertrand Russell e aquele mimético episódio de Godard em Os Sete Pecados Capitais, com Eddie Constantine com preguiça de até dar laço no sapato. E, de uns tempos para cá, a revista The Idler (O ocioso), editada por Tom Hodgkinson, que, confesso, não leio por pura preguiça.


Lafargue, genro de Marx, escreveu há 123 anos a mais conhecida defesa do far-niente, O Direito à Preguiça, que é sobretudo uma crítica arrasadora à "perversão" das classes operárias pelo "dogma do trabalho" complotado pela Igreja e a nobreza - e legitimado pela lógica da produção capitalista e pela retórica domesticante do comunismo. Os antigos gregos desprezavam o trabalho (atribuição exclusiva dos escravos) e gastavam seu tempo com exercícios físicos, jogos de inteligência e o que chamavam de ataraxia: a vida contemplativa. A escravidão, ao estilo antigo, acabou, mas ressurgiu com novas feições. "Quem não tem dois terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito." Assim falou Nietzsche, que só foi escravo de sua loucura.


Platão e Aristóteles achavam que trabalhar esgota o físico, faz mal à saúde, degrada a alma e impede o homem de servir ao espírito, ao corpo e à polis. A moral cristã estragou tudo, santificando o batente ("ganharás o pão com o suor do seu rosto") e transformando a preguiça em pecado capital. Embora Jesus tenha louvado o ócio, no sermão da montanha ("olhai os lírios no campo", etc.), e o Todo-poderoso parado para descansar no sétimo dia, e por toda a eternidade, a Igreja, ressalta Lafargue, pregou, astuciosamente, a ideia de que trabalhar é um castigo imposto pela justiça divina a Adão e Eva e sua infinita prole, para que não lhes sobrasse tempo livre para pensar em besteiras, como, por exemplo, questionar o clichê de que o trabalho só enobrece o homem.


Os nazistas pegaram carona nessa pregação, afixando à entrada de seus campos de extermínio este cínico bordão "Arbeit Macht Frei" (O trabalho liberta). Tão logo o Reich se estrepou, um sambista carioca chamado Almeidinha usou seu ócio para compor um dos maiores sucessos do carnaval de 1946, mais que um samba, um desabafo contra a ergolatria imposta pelo recém-derrubado Estado Novo: "Trabalhar, eu não, eu não!".


Russell fez seu "elogio ao lazer" (ou ao ócio) na mesma sintonia de Camus ("sem a classe ociosa, a humanidade jamais teria saído da barbárie") e Lafargue (para manter os pobres satisfeitos, os ricos enalteceram, por milhares de anos, a dignidade do trabalho, "embora pouco se importando de continuar indignos nesse sentido"), e defendeu a redução da jornada de trabalho para quatro horas, mas sem recomendar que o tempo restante fosse desperdiçado com "pura frivolidade". Trabalhando menos e aproveitando melhor o tempo, teríamos uma vida menos monótona e estressante, seríamos mais alegres e felizes. Como se ainda (ou já) estivéssemos no Paraíso.

domingo, 24 de julho de 2011

DE PAPO PRO AR






A música é de Joubert de Carvalho, letra de Olegário Mariano: acho que a gravação original é de Augusto Calheiros. Muitos a gravaram: Maria Bethania, Ney Matogrosso, Pena Branca e Xavantinho...


Para embalar um domingo de frio... com muita, muita preguiça.

DE PAPO PRO AR

(Joubert de Carvalho / Olegário Mariano)





Não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tem um peixe bom
Tem siri patola
De dá com o pé


Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade
Me atormentá
Eu me vingo dela
Tocando viola
De papo pro ar


Se ganho na feira
Feijão, rapadura,
Pra que trabalhar
Eu gosto do rancho
O homem não deve
Se amofinar


(Ah, sim: não ia pensar que eu postaria o vídeo, não é? Então... deixa de preguiça e procura a música do Youtube. Vale a pena...)

domingo, 26 de junho de 2011

O ÓCIO DE OSCAR WILDE, por Enrique Vila-Matas




Um desejo antigo de Oscar Wilde, expresso em The critic as artist, sempre foi “não fazer absolutamente nada, que é a coisa mais difícil do mundo, a mais difícil e a mais intelectual”.


Em Paris, nos dois últimos anos de sua vida, graças nada menos ao fato de sentir-se aniquilado moralmente, pôde tornar realidade seu antigo desejo de não fazer nada. Porque, nos dois últimos anos de sua vida, Wilde não escreveu, decidiu deixar de fazê-lo para sempre, conhecer outros prazeres, conhecer a sábia alegria de não fazer nada, dedicar-se ao extremo ócio e ao absinto. O homem que havia dito que “o trabalho é a maldição das classes bebedoras” fugiu da literatura como da peste e se dedicou a passear, a beber e, em muitas ocasiões, à contemplação pura e simples.


“Para Platão e Aristóteles”, escreveu ele, “a inatividade total sempre foi a mais nobre forma da energia. Para as pessoas da mais alta cultura, a contemplação sempre tem sido a única ocupação adequada ao homem”.


Também havia dito que “o eleito vive para não fazer nada”, e foi assim que viveu seus dois últimos anos de vida. Às vezes recebia a visita do fiel amigo Frank Harris – seu futuro biógrafo –, que, assustado ante a atitude de absoluta folga de Wilde, costumava fazer sempre o mesmo comentário:


- Estou vendo que você continua sem trabalhar...


Uma tarde, Wilde lhe respondeu:


- É que a laboriosidade é o germe de toda a fealdade, mas não deixei de ter ideias e, tem mais, se quiser, vendo-lhe uma.


Naquela tarde, por cinquenta libras, vendeu a Harris o esboço e o argumento de uma comédia que este rapidamente e, também muito rapidamente, com o título de Mr. And Mrs. Daventry estreou no Royalty Theatre de Londres, no dia 25 de outubro de 1900, quase um mês antes da morte de Wilde em seu cubículo do Hotel d’Alsace de Paris.


Antes do dia da estreia e também nos dias que se seguiram, ao longo de seu último mês de vida, Wilde entendeu que uma extensão de sua felicidade podia se dar – em Londres a obra estava tendo grande sucesso – com o sistemático pedido de mais royalties pela obra estreada no Royalty, de modo que se dedicou a mortificar Harris com toda espécie de mensagens – por exemplo: “Você não só me roubou a obra, como também a aruinou, portanto quero mais cinquenta libras”, até que morreu em seu cubículo de hotel.


No dia de sua morte, um jornal parisiense lembrou muito oportunamente algumas palavras de Wide: “Quando não conhecia a vida, eu escrevia; agora que conheço seu significado, não tenho mais nada a escrever”.


Essa frase coincide muito bem com o final de Wilde. Morreu depois de passar dois anos de grande felicidade, sem a menor necessidade de escrevere, de acrescentar algo mais ao já escrito. É muito provável que, ao morrer, tenha alcançado a plenitude do desconhecido e tenha descoberto o que era exatamente não fazer nada, e por que isso era na verdade o mais difícil do mundo e o mais intelectual.


Cinquenta anos após sua morte, por essas mesmas ruas do Quartier Latin que ele havia prercorrido com extrema ociosidade em seu radical abandono da literatura, aparecia em um muro, a cem metros do Hotel d’Alsace, o primeiro sinal de vida do movimento radical do situacionismo, a primeira irrupção pública de alguns agitadores sociais que em sua deriva vital gritariam Não a tudo que lhes fosse colocado à frente, e gritariam isso dominados pelas noções de desamparo e desarraigamento, mas também de felicidade, que tinham movido os derradeiros fios da vida de Wilde.


Esse primeiro sinal de vida situacionista foi uma piração, a cem metros do Hotel d’Alsace. Disseram que podia ser uma homenagem a Wilde. A pichação, escrita por aqueles que, sob ditado de Guy Debord, não tardariam em propor que se abrissem ao tráfego andante os telhados das grandes cidades, dizia isto: “Não trabalhe nunca”.

Barteleby e companhia, tradução de Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista

domingo, 5 de junho de 2011

PREGUIÇA NO FRIO

Este outono com jeito de inverno. Frio. Muito frio e muita preguiça.

Então, uma crônica do Blog do Capita, assinada por Capitão Rodrigo (endereço lá embaixo). E mais não digo, porque domingo é dia de preguiça.


Barulho na sala fria

(Toulousse-Lautrec)

Nelson - Sussurrou Virgínia, baixinho enquanto cutucava seu marido com as mãos delicadas e frias sob as pesadas cobertas de inverno. -Acorda, Nelson!
-Hrhhhmgh...
-Acorda, Nelson, pelo amor de Deus, homem!
-Guiéguifóin, Virxinhanhmm...? - Resmungou Nelson enquanto tentava escapar das mãozinhas da esposa, que o apunhalavam como pequenas pás de gelo, virando as costas pra ela.
-Nelson, tem alguém na casa! - Exclamou Virgínia em um sussurro.
-Nhaum tem ningfum na casa... - Replicou Nelson, ainda parcialmente adormecido.
-Eu tô ouvindo gente caminhando na sala, Nelson!
-É o gachurrum...
-A gente não tem cachorro, criatura!
Nelson acordou.
-Tá, tá... Peraí... - Aquiesceu levantando-se com dificuldade, sentindo na boca o gosto rançoso da saliva do sono. Sentou-se na cama o melhor que pôde sem sair debaixo das cobertas e inclinou a cabeça em direção à porta do quarto.
-Ah, Virgínia... Não tem ninguém na sala, é só a janela aberta, são os carros passando lá embaixo...
-Não, Nelson, eu juro! Era gente caminhando! Eu ia lá deixar a janela aberta com essa friagem?
-Não, meu amor, tu tava meio dormindo, e pensou que fossem passos, mas não eram, era apenas o som dos carros que enganou o teu subconsciente, vamo dormir, tá, por favor? Que eu tenho que acordar cedo amanhã e tá frio demais?
-Ai, Nelsoooooooooooon, dá uma olhada que seja, pelo amor de Deus, não vou conseguir dormir se tu não for até a sala pra ver se não tem, mesmo alguém, lá!
Nelson levantou com resmungos de protesto enquanto tentava fazer os dentes pararem de bater, pôs-se de pé segurando os braços junto ao peito e calçou as pantufas com pressa. Caminhou com passos apertados em direção à porta do quarto e a abriu, amaldiçoando o mundo enquanto o ar frio que vinha dos demais cômodos o atingiam como se fossem um tornado. Andou arrastando os pés pela casa por breves minutos, então voltou à porta do quarto onde encontrou Virgínia coberta até o nariz com o edredon.
-Não tem ninguém aqui, e a maldita da janela tava aberta, mesmo, a sala parecia a porra do Pólo Norte.
-Ai, amor, brigada, que susto...
-Tudo bem, vamo dormir, então?
-Tá. Ah! Amor, antes de tu deitar, pega o meu remédio pra cólica no banheiro e um copo d'água na cozinha?
-Pego. - Assentiu um confuso e rabugento Nelson enquanto andava em direção à cozinha novamente, ainda batendo dentes de frio e com os braços encolhidos. Virgínia sorriu enquanto o marido lhe entregava o remédio e a água, e, se tinha alguma dor na consciência pela farsa, ela sumiu quando teve que tirar os braços delicados de sob as cobertas quentinhas pra apanhar o copo.


http://casadocapita.blogspot.com/2011/03/barulho-na-sala-fria.html

quinta-feira, 26 de maio de 2011

domingo, 27 de fevereiro de 2011

POR CAUSA DESTA CABOCLA...

Uma das estrofes mais bonitas e sensuais da música brasileira, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, para curtir num domingo de preguiça:





“E quando ela na rede adormece
E o seu seio moreno esquece
De na camisa ocultar
As rolas
As rolas
Também morenas
Cobrem-lhe o colo de penas
Pra ele se agasalhar”

domingo, 6 de fevereiro de 2011

DOMINGO É DIA DE PESCARIA?





Que nada! Pescar dá um trabalhão danado: ter que achar um rio ou lago ou sei lá o quê que tenha peixe, botar isca no anzol, lançar o anzol na água e... depois, no melhor da preguiça, ser acordado por um peixe faminto que ficou preso?

É muito trabalho!

Melhor mesmo é uma rede sob uma árvore, um livro para ler bem devagar... até os olhos se fecharem, o livro sobre o peito, o sono reparador... e os sonhos!

Ah! os sonhos!

Mas nada de sonho de aventuras. Nem de pescarias. O melhor sonho mesmo é aquele em que a gente sonha que está deitado numa rede, sob uma árvores, lendo um livro bem devagar... até os olhos se fecharem e...

Não, não me acorde!